Um basta aos protestos abusivos
A Justiça acaba de sinalizar que as paralisações e os bloqueios de ruas, avenidas e rodovias que têm sido promovidos em todo o País por sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais, associações comunitárias, ONGs e grupos de anarquistas podem estar com os dias contados. A sinalização foi dada pelo juiz Samuel de Castro Barbosa Melo, da 2.ª Vara Federal de São José dos Campos, que proibiu expressamente o Sindicato dos Metalúrgicos da cidade de impedir o trânsito da Rodovia Presidente Dutra em todo o trecho que cruza o território da comarca, especialmente onde se situa o complexo industrial da General Motors.
Alegando que os bloqueios colocam em risco cidadãos e bens patrimoniais, impedindo a população de exercer o direito de ir e vir e tumultuando as atividades econômicas na região de São José dos Campos, que é um dos mais importantes polos industriais do País, o juiz Barbosa Melo também proibiu o Sindicato dos Metalúrgicos da cidade - que é controlado pelo PSTU - de bloquear as avenidas paralelas à Rodovia Presidente Dutra "em toda sua extensão" e ainda fixou multa diária de R$ 50 mil, em caso de descumprimento de sua ordem.
A ação judicial foi proposta pelo Ministério Público Federal depois que os líderes sindicais dos metalúrgicos promoveram quatro paralisações da Rodovia Presidente Dutra, entre janeiro e julho.
Segundo os procuradores federais, os bloqueios - que causaram congestionamentos de até 11 quilômetros - foram feitos sem aviso prévio às autoridades competentes e com o emprego de materiais explosivos e de violência, contrariando as condições exigidas pela Constituição para a realização de manifestações de protesto.
Os metalúrgicos alegaram que o fechamento de rodovias é uma forma de exercício dos direitos de expressão, associação e reunião, previstos pela Constituição.
O juiz Samuel de Castro Barbosa Melo refutou o argumento, lembrando que o exercício desses direitos também pressupõe o respeito aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da concordância de interesses, que foram acintosamente desprezados pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. "O exercício do direito de reunião encontra-se militado pela liberdade de locomoção, pelo dever do Estado de prover segurança a toda a coletividade, pela restrição imposta ao direito de greve e até pela necessidade de se observar a política urbana", afirmou.
Invocando consagrados juristas americanos, o juiz Barbosa Melo alegou ainda que as liberdades de expressão, reunião e associação não são absolutas. Um dos doutrinadores citados em seu despacho é o jurista Robert Post, que distingue palavra e ação ao definir o alcance da liberdade de expressão. "Um discurso proferido numa multidão em praça pública se enquadra na categoria palavra. Quebrar uma vidraça com tijolo é ação. Ambas as categorias de manifestações não são protegidas de maneira plena pelas garantias constitucionais. A liberdade de expressão, nos dois casos, deve ser protegida apenas enquanto meio para a comunicação de ideias - a palavra não é acobertada pela garantia constitucional para veicular, por exemplo, um discurso de ódio. Assim, ainda que alguém atire tijolos contra vidraças para expressar que não concorda com certo ponto de vista, e por mais clara que seja a mensagem retratada nessa, não é possível invocar a liberdade de expressão para excluir a prevenção e a repressão civil e penal contra o vandalismo", diz Post, em citação transcrita por Barbosa Melo.
Diante da enxurrada de manifestações abusivas que tomaram conta do País nos últimos meses, a decisão do juiz da 2.ª Vara da Justiça Federal em São José dos Campos mostra que, se o Ministério Público e o Judiciário cumprirem suas atribuições funcionais, quem exorbitar no exercício dos direitos de expressão, associação e reunião, em detrimento dos direitos da sociedade, poderá e deverá ser enquadrado na lei e punido. É assim que a democracia funciona.