SÓ NÃO VALE TIRO DE VERDADE
Justiça

SÓ NÃO VALE TIRO DE VERDADE



ZERO HORA 23 de dezembro de 2012 | N° 17292. ARTIGOS


 Luiz Antônio Araujo*

JORNALISTA

Em que pesem os ingredientes e o modo de preparar, a recente feijoada de poderes servida pelo Supremo Tribunal Federal e pela Câmara dos Deputados a propósito da prisão dos réus do mensalão não é uma exclusividade da culinária política brasileira. Nossos vizinhos, que cumprem uma temporada democrática tão longa quanto a nossa para padrões latino-americanos, têm vivido duelos tão ou mais tensos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner, em meio a uma baixa de popularidade, enfrentou dura resistência de setores da magistratura antes de fazer valer a Lei da Mídia, com a qual pretende atingir o grupo de comunicação Clarín, hoje na oposição. No Paraguai, foi o Legislativo de maioria oposicionista que tomou a iniciativa de derrubar o presidente Fernando Lugo. Em Honduras, que viveu uma situação parecida à do Paraguai há três anos, o Congresso acaba de destituir quatro dos cinco membros da Corte Suprema de Justiça. Mesmo na Venezuela, onde o chavismo predomina sem rivais desde o golpe fracassado de 2002, a enfermidade do chefe máximo já deixa antever uma rivalidade entre o vice, Nicolás Maduro, e o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello.

Alguns traços comuns a todos esses países são dignos de nota. Em primeiro lugar, é notável que as forças armadas, depois de desempenhar um papel crucial no continente desde as guerras de independência, no início do século 19, estejam virtualmente ausentes dessas crises. Em segundo, apesar das sucessivas quedas de braço, a ordem jurídico-institucional mais ou menos democrática em todo o continente não parece estar sob ameaça.

É sabido que a democracia formal é uma novidade relativamente recente na América Latina. Para a maioria dos latino-americanos, ela certamente significa, em primeiro lugar, liberdade no sentido mais amplo e geral, a começar pela de escolher os governantes. Esse é o mesmo sentido historicamente atribuído à democracia nas nações em que floresceu pela primeira vez, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. A trajetória política desses países sugere que, longe de ser uma receita fácil, o processo democrático se assemelha a um aprendizado longo e, por vezes, penoso. Aqueles que se comprazem em louvar as virtudes democráticas e civilizatórias dos Estados Unidos como se tivessem caído dos céus deveriam ler O Futuro da América, do historiador britânico Simon Schama, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

Para proteger liberdades como a de escolher os governantes, os primeiros pensadores da democracia arquitetaram um sistema de pulverização dos poderes antes concentrados de forma exclusiva nas mãos do soberano. O filósofo francês Montesquieu chegou a uma fórmula quase banal para limitar o arbítrio: “Só o poder freia o poder”. Montesquieu propôs um sistema chamado de “freios e contrapesos”, que nada mais é do que a separação de poderes consagrada na Constituição americana e, em seguida, em todas as cartas nela inspiradas. A Constituição brasileira, de 1988, faz eco a essa tradição ao afirmar, logo no Artigo 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Há muito de independência e pouco de harmonia na recente trombada entre Judiciário, Legislativo e Ministério Público Federal – que, afortunadamente, terminou com uma decisão ponderada do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. É uma realidade conhecida de qualquer professor de Ensino Fundamental, que dificilmente espera de seus alunos adesão imediata a regras exóticas como esperar a vez para falar. Qualquer aprendizado, incluindo o democrático, requer um grau de proatividade e até mesmo de barulho. Podem surgir até mesmo situações mais complicadas, como quando um aluno decide brincar de Batman, e outro, de Forte Apache em plena sala de aula. Só não vale tiro de verdade.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O princípio da independência dos Poderes é praticado no Brasil como se houvesse uma divisão absoluta de poderes, ou seja SEPARAÇÃO DOS PODERES, e é esta visão que tem prejudicado a harmonia e o equilíbrio entre os Poderes. O Governo é resultante de uma interação dos Poderes. O jurista Hely Lopes Meirelles em seu livro Direito Administrativo Brasileiro (Malheiros Edits, 25º edição, 2000, pg.56) coloca muito bem este "equívoco".




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