Justiça
FREIOS E CONTRAPESOS, UM CONCEITO EM XEQUE
ZERO HORA 30 de dezembro de 2012 | N° 17298
DEBATE PARA 2013. Países latino-americanos vivem momento de embates entre Executivo, Legislativo e Judiciário
LÉO GERCHMANN
O ideal democrático de freios e contrapesos entre um poder que legisla, outro que julga e aquele que executa se tornou motivo de preocupação para uns e júbilo para outros tantos na América Latina em 2012. Episódios ocorridos em países como Brasil, Argentina, Paraguai e Venezuela projetam para 2013 crises ou boas perspectivas para a tripartição de poderes, instituto tido como basilar dos sistemas democráticos. Tudo depende da interpretação que se faça.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso mantiveram disputa definida pelo cientista político Alcides Vaz como “semiembate”: por diferença estreita, o STF se viu na prerrogativa de cassar deputados por ele condenados – sob protestos das cúpulas legislativas. Na Argentina, a Corte Suprema impediu que a presidente Cristina Kirchner colocasse em pleno vigor a Lei da Mídia, que, em tese, democratiza a informação. Na Venezuela, uma juíza foi presa por decidir contra o governo. No Paraguai, o Judiciário aceitou missão de monitoramento da União das Nações Sul-americanas (Unasul) para acompanhar as eleições presidenciais em 21 de abril sem consentimento do Executivo.
Também no Paraguai, o então presidente Fernando Lugo foi deposto pelo Legislativo, em um processo de impeachment criticado por entidades internacionais e países como o Brasil e demais integrantes do Mercosul. Principal crítica: Lugo não teria contado com prazo suficiente para a defesa contra a acusação de “mau desempenho das funções”.
“Democracias em movimento”
– Sem entrar nas especificidades de cada país, a tensão entre os poderes é real, mas não acho que seja problemática. Se olharmos a década passada, veremos que houve uma refundação do Estado na região. Temos democracias em movimento, em uma região com passado de rupturas institucionais – diz Vaz, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Lembrando a história de regimes autoritários polvilhados pela região, Vaz brinda a virada de 2012 para 2013 como “outro momento”, auspicioso, segundo ele.
– Temos democracias em formação e em movimento. Veja bem que esses enfrentamentos mostram um lado de independência entre os poderes. Há parlamentos e Judiciários com proatividade, e isso faz parte dos sistemas democráticos ainda imperfeitos, mas em formação, o que é positivo – disse.
Na Argentina, Cristina x juízes
Somente na semana passada, o Judiciário argentino decidiu duas vezes contra os interesses do Executivo, o que levou a presidente a se queixar. Acusou os juízes do seu país de estarem em descompasso com as aspirações sociais e “divorciados” do povo.
Quais foram esses casos? Primeiro, a ex-ministra da Economia Felisa Miceli recebeu uma condenação de quatro anos de prisão em um rumoroso caso de corrupção – uma brigada antiexplosivos encontrou US$ 100 mil escondidos em seu banheiro. Depois, o Grupo Clarín, na noite da mesma quinta-feira, teve acatado o recurso que interpôs para não se ver obrigado a se desfazer de emissoras de TV e outras concessões estatais, alegando direito adquirido.
O cientista político argentino Gabriel Vitullo identifica a mesma fricção entre poderes identificada pelo colega brasileiro Alcides Vaz. Só que interpreta o mesmo fato de maneira negativa.
– Em primeiro lugar, é importante desfazer a ideia de que o instituto dos pesos e contrapesos é intocável. Na verdade, são freios nos avanços populares. Em diversas ocasiões, o Judiciário desempenha o papel moderador. Deve ser questionada a tese da divisão de poderes, porque o Judiciário não tem origem democrática. No caso do Clarín e da Lei da Mídia, isso fica claro. Mesmo com os defeitos, é uma legislação importante, e o Judiciário está segurando sua vigência – disse.
Zero Hora, então, pergunta: qual seria a alternativa?
– Devemos deixar de ter juízes vitalícios, e esses juízes precisam ser controlados pela população.
Enfim, 2012 deixa um debate fervilhando para 2013.
Juíza diz que foi violentada na prisãoUm episódio envolvendo conflito entre Judiciário e Executivo deixa de lado as teorias políticas e entra em cheio na crônica policial. A juíza venezuelana María de Lourdes Afiuni, presa em dezembro de 2009 por decidir em desacordo com o governo de Hugo Chávez, lançou um livro em novembro último contando que foi estuprada na prisão.
Atualmente vivendo sob prisão domiciliar, María de Lourdes atendeu a telefonema de Zero Hora, mas se desculpou antes de dizer que não poderia se manifestar. Pela decisão que a permite ficar em casa, fica estabelecido que ela não pode dar entrevistas “para a imprensa nacional e internacional”, relatou, em conversa com ZH.
No livro, a juíza revela que foi estuprada na prisão, além de ter sofrido outros tipos de sevícias, há cerca de dois anos.
– Faz mais de dois anos que temos conhecimentos dessa violência contra a doutora Afiuni, e o presidente da república Hugo Chávez também sabe disso. Os psicólogos recomendaram que ela não tornasse a história pública no passado, e ela também não queria falar, como costuma ocorrer com as mulheres nessas circunstâncias. Agora, ela tornou pública sua história – diz o advogado da juíza, José Graterol.
ZH fez contato também com o autor do livro, o escritor Francisco Olivares. Ele, porém, alegou estar em viagem de férias com a família e não quis comentar o trabalho feito para a juíza.
María de Lourdes foi acusada de corrupção, abuso de poder e de facilitar a fuga do banqueiro Eligio Cedeño, detido em 2007 sob a acusação de fraude – o suspeito conseguiu fugir após ganhar a liberdade condicional. Organizações de defesa dos direitos humanos têm pedido a libertação de Afiuni por considerar que o julgamento foi arbitrário.
Entidades de direitos humanos dizem que há um clima de intimidação promovido pelo governo venezuelano em relação aos juízes.
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