ZERO HORA 11 de fevereiro de 2014 | N° 17701
CRIME EM PROTESTO. Dilma Rousseff determinou o apoio da Polícia Federal nas investigações sobre quem atirou rojão
A morte cerebral do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, declarada ontem, provocou a reação de entidades profissionais, autoridades e defensores dos direitos humanos. Em sua conta no Twitter, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a perda de Andrade “revolta e entristece”. Ela determinou o apoio da Polícia Federal nas investigações.
O cinegrafista da TV Bandeirantes foi atingido na cabeça por um rojão acionado por manifestantes, durante um protesto contra o reajueste da tarifa de ônibus no Rio de Janeiro. Ele teve afundamento do crânio e perdeu parte da orelha esquerda. A família decidiu doar os órgãos para transplante.
Em entrevista à TV Globo, a mulher do profissional, Arlita Andrade, recriminou o tatuador Fábio Raposo, 22 anos, preso no domingo depois de confirmar ter repassado o rojão ao homem que o acendeu.
– Eu o vi pedindo desculpa, mas acho que o que falta neles é o amor, o amor pelas pessoas. Ele disse que foi sem intenção. Que seja, mas meu marido estava trabalhando. Manifestação pode fazer, mas não precisa dessa violência. Perdoar? Eles destruíram uma familia – disse Arlita.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) alertou para a escalada de violência contra a imprensa durante os protestos que ocorrem desde junho. Segundo a entidade, houve 117 casos de agressão, hostilidade ou detenção de jornalistas. “É preciso que o Estado identifique, julgue e puna os responsáveis”, afirmou a entidade, em nota.
O ataque a Andrade também foi tema de reunião na comissão temática do conselho de comunicação social do Congresso Nacional. Foram propostas a federalização das investigações de crimes contra profissionais da imprensa e a adoção de um protocolo de segurança para jornalistas.
– Queremos que identifiquem e punam os responsáveis por essa tragédia, mas também que o governo crie e adote políticas e procedimentos necessários para garantir o trabalho dos profissionais – disse o presidente da Associação Brasileira de Rádio de Televisão (Abert), Daniel Slavieiro.
Depois de anunciada a morte de Andrade, o presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu colocar na pauta da semana que vem o projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo.
O grupo Black Bloc do Rio, acusado de fazer uso da violência durante manifestações, publicou uma nota de condolências em sua página no Facebook, mas a estendeu “a este país, por seu povo ignorante e alienado, que agora discute um caso isolado como se fosse o todo desta questão”.
Em nota, a Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio classificou os black blocs de “assassinos”. Cinegrafistas e fotógrafos fizeram homenagens a Andrade no Congresso Nacional e na Igreja da Candelária, no Rio.
Advogado identifica autorO advogado Jonas Tadeu Nunes repassou ontem à polícia a identificação do homem que teria acendido o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade. Nunes representa o tatuador Fábio Raposo, 22 anos, preso no domingo depois de confessar ter entregue o rojão. O advogado afirmou ter chegado ao suspeito por meio de uma pessoa íntima de Raposo. O intermediário estaria tentando convencer o rapaz a se entregar à polícia.
– Esse rapaz está na mesma condição do Fábio. A defesa que eu fizer para o Fábio, vai servir para ele. Já ofereci meus serviços. Acho bobagem ele continuar foragido – disse Nunes.
Com a confirmação da morte do cinegrafista, o advogado acredita que a polícia alterará o indiciamento de Raposo de tentativa de homicídio qualificada para homicídio qualificado. Ele tentará enquadrar o tatuador no crime de lesão corporal gravíssima seguida de morte.
– Não há homicídio porque não existiu a vontade livre e consciente de acender isso para atingir o jornalista.
Ao informar o nome de outro suspeito, o advogado tenta também usar a tese da delação premiada para reduzir os agravantes do crime.
O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) criticou a postura de Nunes, por ter sugerido que o suspeito teria relação com o parlamentar.
– Em uma rádio, o advogado me pediu desculpas – contou o deputado.
Morreu um pouco de cada um de nósROBERTA SALINET*
A frase inicial da palestra do tenente-coronel Moleta era um alerta:
– Jornalistas também são alvo e, por isso, vamos treiná-los aqui para que possam se proteger.Na plateia estavam mais de 40 profissionais da imprensa de todo o país, selecionados para o curso do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil, no Rio de Janeiro, em junho de 2013. Entre eles, eu, outros colegas do Grupo RBS e Santiago Andrade, hoje conhecido de todos em razão de uma tragédia.
Ele era um cara alegre, bom de papo, simples e atento a tudo que nos ensinaram. Conversamos muitas vezes, treinando tiro, aguentando gás lacrimogêneo, amarrados durante uma simulação para aprender a encarar um sequestro.
Santiago era do tipo que logo se tornava camarada de todos, colegas e instrutores. Assistir às cenas da agressão e da morte dele corta o coração de qualquer um. Para quem conviveu com ele em um treinamento sobre esse tipo de risco, dói ainda mais.
Sabemos que jornalistas são assim. Nós nos protegemos sempre, mas nunca estamos livres do perigo.
O coronel estava certo.
Santiago foi um alvo. Cabe agora à Justiça tomar providências.
Morreu um jornalista que amava a profissão. Morreu um pouco de cada um de nós.
*Repórter da RBS TV, participou, ao lado de Santiago Andrade, da edição de 2013 do curso para jornalistas em áreas de risco do Exército Brasileiro
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