O rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade atingiu cada um de nós. É preciso dar um “basta!” à escalada da intolerância e da violência nas manifestações de rua
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Jornalistas são os olhos, ouvidos e vozes de uma nação. Olhos, ouvidos e vozes que trabalham para todos. É por meio dos olhos das câmeras que vemos o que acontece em locais distantes. Por meio dos ouvidos dos microfones que escutamos o que os outros têm a nos dizer. Por meio das vozes que narram as histórias que tentamos entender o mundo, compreender nosso tempo, alcançar um conhecimento modesto sobre o pouco que cabe a cada um de nós saber nesta vida. Sem olhos, sem ouvidos, sem vozes, restam apenas ignorância, escuridão, silêncio.
Qualquer ataque à imprensa é um ataque a esses olhos, ouvidos e vozes. Quem ataca a imprensa ataca olhos, ouvidos e vozes que trabalham para si próprio, que estendem sua própria visão, sua própria audição e sua própria voz. Quem ataca a imprensa não quer apenas cegar o outro – quer também ficar cego. Não quer apenas ensurdecer o outro – quer também ficar surdo. Não quer apenas calar o outro – quer também ficar mudo.
Ser os olhos de todos nós era o trabalho do jornalista e cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes de Televisão. Santiago foi atingido com um rojão na cabeça, enquanto trabalhava na cobertura de protestos contra o reajuste da tarifa de ônibus, no Rio de Janeiro na quinta-feira, dia 6 de fevereiro. Sua morte na última segunda-feira, dia 10, fez dele a primeira vítima a morrer num conflito provocado pela espiral de manifestações que tomaram o país desde as jornadas de junho do ano passado, quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar inicialmente contra reajustes nas tarifas de ônibus, depois contra carências de toda sorte.
A PRIMEIRA VÍTIMA
O momento em que o rojão atinge o cinegrafista Santiago Andrade. A escalada da violência nas manifestações fez seu primeiro cadáver (Foto: Agência O Globo)
Desde então, as manifestações minguaram em participação e passaram a ser monopolizadas por grupos de ativistas violentos – entre os quais praticantes da tática anarquista conhecida como black bloc. Eles transformaram em meta o vandalismo contra governo, polícia, imprensa, bancos, estabelecimentos comerciais, monumentos – e tudo aquilo que possa estar associado às instituições democráticas. Não é uma atitude desprovida de racionalidade, como lembra o cientista político Fernando Luís Schüler, em artigo na edição de ÉPOCA desta semana. Trata-se de uma ideologia antiga e tosca, inaceitável num Estado democrático de direito. Ela procura justificar a violência como reação à “violência do Estado” e inspira a ação dos ativistas, recrutados entre jovens com amplo acesso à internet, formação intelectual de menos – e irresponsabilidade de mais.