REAÇÃO AO RACISMO
Justiça

REAÇÃO AO RACISMO




ZERO HORA 11 de março de 2014 | N° 17729


EDITORIAIS


Os gaúchos, por meio de seus clubes de futebol e de diversos outros segmentos da sociedade, deflagraram um movimento coletivo de repúdio e condenação às manifestações de racismo contra o árbitro Márcio Chagas da Silva e, por extensão, a todas as formas de preconceito. Independentemente da punição dos responsáveis pelas agressões que configuram crime inafiançável e imprescritível, que deve ocorrer sem emocionalismos e na medida exata de suas responsabilidades, o Estado precisa aproveitar a visibilidade do caso para se manter vigilante contra esse tipo de ocorrência. Precisamos todos nos engajar neste movimento permanente de mudança cultural e de mentalidade no sentido de combater a discriminação.

No âmbito oficial, a presidente Dilma Rousseff já manifestou a intenção de se valer da Copa do Mundo para uma manifestação contundente contra esse tipo de mal que afronta a dignidade das pessoas e atenta contra a imagem de um país caracterizado pela miscigenação. Como alertou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, quem se envolve nesse tipo de ação não deve ser considerado torcedor, mas, sim, criminoso.

O combate ao preconceito, porém, não pode ficar na dependência apenas dos meios oficiais. É preciso que toda a sociedade reaja contra intolerâncias de qualquer tipo. O preconceito usado para segregar pessoas por meio de critérios como cor, religião e orientação sexual só pode ter como resposta o rechaço e a condenação.

Nos estádios, onde manifestações como a de racismo, assim como as de homofobia, são sempre mais visíveis, as demonstrações de solidariedade ao árbitro ultrajado e de condenação aos autores foram ao mesmo tempo firmes e criativas nos jogos da rodada do Gauchão no final de semana. É importante que toda a sociedade se inspire nesses gestos e, principalmente, que eles se mantenham.


DEBATE RACISMO


Eu, um negro, por Deivison Campos*



O filme, produzido por Jean Rouch nos anos 50 na Costa do Marfim, mostra uma situação típica de marginalização, ou o que se imagina do lugar de inferioridade do outro social em relações de poder étnico-raciais. No filme, os nigerianos são os excluídos. No Brasil, os negros e pardos, aprofundando o sentimento de ser e não pertencer. Esse princípio, que historicamente já foi política de Estado, tornou-se senso comum. Como escreve a professora Liv Sovik, a branquitude mantém-se como um valor na sociedade brasileira, a ser buscado pela valorização da mestiçagem.

Ao contrário do que prega o senso comum, as relações raciais no Brasil não são cordiais e não estão resolvidas. Essas continuam estruturadas de maneira evolucionista em que os negros ocupam as posições mais baixas, seja na vida, ou no imaginário. As barreiras simbólicas e a desumanização são permanências do sistema escravista e servem de estratégia para manutenção de privilégios de parte da população. As manifestações racistas dos deputados gaúchos e das torcidas, que trouxeram o tema ao debate público, são exemplos disso.

Enquanto os deputados utilizaram-se de estereótipos para ligar os negros, junto com outros grupos e movimentos sociais, ao que não presta, as torcidas têm adjetivado jogadores e juízes de macaco em discursos de desumanização. Nos dois casos, os negros estavam onde, por essa concepção, não deveriam estar. Os assessores do ministério e o juiz de futebol em lugares com poder de decisão e os jogadores com poder econômico. A discussão, no entanto, não deve se resumir a esses casos. O problema deve ser discutido em seu contexto.

Os atos racistas não podem ser tratados como exteriores à sociedade na qual estão inseridos, o que tem acontecido repetidamente na política e no futebol. Essa tolerância fomenta a repetição nas mais diferentes relações sociais, como os cantos de algumas torcidas organizadas. Neste sentido, os poderes públicos, que deveriam garantir o bem comum, têm se mostrado omissos frente aos acontecimentos, principalmente os que não são noticiados. Esses acontecem diariamente nas relações cotidianas, no SUS, na educação, na Justiça e em vários outros serviços públicos e privados.

No filme de Rouche, o personagem narrador, Robinson, é passivo frente a essa situação de discriminações e marginalização. Eu, um negro, sou Márcio, Arouca, Tinga, os Benfica e todos os que sofrem qualquer forma de discriminação, pois quem tem um preconceito tem todos. Felizmente, parte dos gaúchos reagiu indignada ao descobrir que o preconceito e a discriminação são reais e o que não existe é a tão falada democracia racial. Sejam bem-vindos.

*PROFESSOR DE JORNALISMO DA ULBRA



Vergonha de ser branco, por Gustavo Tanger Jardim*


As manchetes dos jornais estamparam na última semana uma triste realidade: o Brasil ainda é uma sociedade racista e o Rio Grande do Sul lidera a lista do preconceito. As palavras indignadas do árbitro gaúcho que fora vítima dessa triste prática apenas refletem o que presenciamos diariamente e nos esquecemos quando deitamos a cabeça no travesseiro. Enganamo-nos quando imaginamos que o próximo dia será diferente. Isso porque temos que fazê-lo diferente, motivo pelo qual a reflexão sobre o assunto ganha grande importância.

Como estamos em ano de Copa do Mundo, talvez seja importante lembrar aos preconceituosos que o Brasil é conhecido como o país do futebol por causa do Pelé. Todos sabem que o melhor jogador de futebol de todos os tempos é negro. Mesmo assim, as pessoas que se orgulham do nosso futebol e do destaque que temos mundialmente por causa do esporte esquecem de creditá-lo a um negro.

Para escapar de reducionismos próprios dos racistas – afirmações de que negros levam vantagem no mundo esportivo por causa de sua capacidade física –, é imperioso lembrar de Nelson Mandela. Sem medo de errar, podemos afirmar que um dos homens mais espetaculares que já pisou na Terra foi Nelson Mandela. Após ser perseguido e preso pelos brancos, tinha todas as justificativas para odiá-los. Fez diferente: assumiu a presidência do seu país e pregou paz e tolerância. Ou seja, o exemplo mais atual de como um ser humano deve agir também é de um negro. Obviamente que existem muitas outras personalidades negras que influenciaram positivamente nossa sociedade, mas as citadas acima são inquestionáveis e esvaziam qualquer argumento baseado no preconceito racial.

Por tudo isso, tenho vergonha de ser branco quando ocupamos páginas inteiras dos jornais para lembrar o que todos sabem ou deveriam saber: somos todos iguais. Aliás, os maiores exemplos de que os negros não são nem nunca foram uma raça inferior estão marcados na História. Por tudo isso, me solidarizo com a preocupação que o árbitro gaúcho tem com o futuro do seu filho. Para mudar esse panorama, não canso da inglória tarefa de explicar ao meu filho que são os brancos que praticam esses odiosos atos de racismo e isso não pode se perpetuar. Convido todos a fazer o mesmo.

*ADVOGADO



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