RACISMOEm menos de um mês, três casos de racismo no futebol indignaram o país. Se por um lado a barbárie é inegável, por outro a repercussão dos episódios obriga as autoridades a se posicionarem. Não há mais espaço para clubes omissos, e especialistas defendem o fim de cânticos que exaltam o preconceito.
A falta de punições severas enfim começa a ser revista. Na próxima quinta-feira, o Esportivo será julgado no Tribunal de Justiça Desportiva pelo caso Márcio Chagas, o árbitro insultado por torcedores na serra gaúcha.
Talvez você, gremista fervoroso, acompanhe a cantoria quando os rivais são chamados de macacos. Talvez o leitor colorado faça piadas com a antiga Coligay e com os “gaymistas”.
Especialistas e membros do Ministério Público não têm dúvida: esse tipo de conduta avaliza episódios de barbárie como os que chocaram o país nas últimas semanas – em 22 dias, o árbitro gaúcho Márcio Chagas, o cruzeirense Tinga e o santista Arouca foram violentados pelo racismo. Os clubes nada fazem para coibir o preconceito. As federações limitam-se a notas de repúdio. E a lei é branda.
Comparado a um primata por torcedores do Mogi Mirim na quinta-feira, o volante Arouca foi direto ao ponto na nota oficial que lançou ontem:
– A impunidade e a conivência das autoridades com as pessoas que fazem esse tipo de coisa são tão graves quanto os próprios atos.
Pela manhã, o segundo vice-presidente do Esportivo, Vladimir Santos de Oliveira, registrou na polícia uma ocorrência por difamação: conforme ele, não teria sido nas dependências do clube que o árbitro Márcio Chagas encontrou seu carro riscado e coberto de bananas na quarta-feira. Os clubes, diz a doutora em sociologia do esporte Heloisa Reis, são condescendentes com o preconceito:
– São agremiações retrógradas, que só se movimentam com imposição legal. Nunca tive notícia de um clube condenando, com campanhas ou orientações aos sócios, esses cânticos racistas e homofóbicos tão comuns nos estádios.
De acordo com Heloisa, todos os estudos apontam que, para reduzir a violência provocada pelo preconceito, o primeiro passo é atacar expressões ainda consideradas aceitáveis. Nos estádios, segundo o sociólogo Alex Niche Teixeira, do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, a forma mais eficaz de combatê-las é punindo os clubes com rigor.
Teixeira lembra que, até poucos anos atrás, quando um objeto era arremessado no gramado, nada ocorria com os clubes. O argumento era sempre o mesmo: “Vão prejudicar o time por meia dúzia de gatos pingados?” Mas, quando os clubes passaram a perder mando de campo, os próprios torcedores começaram a coibir os vândalos. É comum, hoje em dia, a torcida apontar o autor do arremesso para dedurá-lo aos dirigentes – só assim o clube se safa da punição.
– Não pode ser tão difícil um clube realizar uma campanha dizendo “não vamos tolerar manifestações racistas” e “você será impedido de entrar no estádio se promover o preconceito”. Ora, se o torcedor souber que aquilo o impedirá de assistir ao seu time, vai ficar bem quieto – diz a professora Heloisa.
Julgamento do caso será na quinta-feira
Com a repercussão do caso Márcio Chagas, a Promotoria do Torcedor do Ministério Público entregou ontem à Federação Gaúcha de Futebol uma série de recomendações. O objetivo é que a entidade inclua no regulamento do Gauchão – e das demais competições que organiza – uma série de sanções contra os clubes em casos de racismo ou homofobia. São elas: advertência, multa, jogo sem torcida, perda de pontos, expulsão da competição e rebaixamento.
Na mesma tarde, o procurador do Tribunal de Justiça Desportiva regional, Alberto Franco, encaminhou à corte sua denúncia contra o Esportivo, cujos torcedores humilharam o árbitro. Embora a previsão legal seja de perda de três pontos no campeonato, Franco multiplicou por três a punição. Ou seja, como Márcio Chagas teria sido insultado antes da partida, no intervalo do jogo e após o apito final, o Esportivo perderia nove pontos na tabela. E acabaria rebaixado. O julgamento está marcado para a quinta-feira.
– Queremos que a Federação Gaúcha de Futebol elabore um plano de ação, para que os torcedores parem de cantar cânticos racistas, sob pena de punição severa aos clubes – afirma o promotor José Francisco Seabra Mendes Júnior.
Em São Paulo, o presidente do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), Mauro Marcelo de Lima e Silva, mandou interditar o estádio do Mogi Mirim após os insultos contra Arouca – a assessoria do órgão afirma que a iniciativa foi do próprio presidente. No Rio Grande do Sul, o dirigente do TJD local, Roberto Pimentel, disse que só poderia fazer o mesmo caso a procuradoria lhe solicitasse.
Ivory Coelho Neto, Procurador-geral em exercício do MP: "Primeiro, quero dizer que o que fizeram com você é de responsabilidade de todos nós. Segundo, parabéns pela coragem; terceiro, coloco o MP à disposição."
Luis Oselame, Presidente do Esportivo: "Os fatos me entristecem não apenas como presidente do Esportivo, mas também como empresário,bento-gonçalvense, homem e pai de família."
D’Alessandro, Capitão do Inter, pelo Twitter: "Tô contigo, Márcio... Não tem cor, religião nem nada que faça diferentes as pessoas. Somos todos iguais!!!"
Nota oficial da OaB/RS: "Para a OAB/RS, não é possível tolerar ações discriminatórias num momento em que estamos lutando pela reafirmação de direitos humanos, tais como a tolerância e o respeito entre os cidadãos."