Justiça
UMA CIDADE SEM CIDADÃO
ZERO HORA 15 de junho de 2013 | N° 17463
Jorge Barcellos*
Jornalistas atingidos por balas de borracha, jovens recebendo bordoadas de policiais e violência praticada contra cidadãos que sequer participavam dos movimentos foram cenas vistas recentemente de um cruel cenário de luta contra o capitalismo em busca de um sistema mais justo. O que foi vivido em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos últimos dias mostrou a intimidade do Estado com a violência em diversos graus.
De fato, uma das funções do Estado é estabelecer uma legislação e prescrever os castigos contra sua transgressão. Mas a violência contra manifestantes inocentes ultrapassa todo o direito do Estado ao uso da violência, como previa Max Weber, e confirma a tese de Walter Benjamin de que a violência está presente no próprio direito. As ações repressivas do Estado mostram que ele tem um núcleo violento, mostram a relação da violência com a política, mas é preciso lembrar que a política não pode deixar de ter uma dimensão ética.
Pensávamos que vivíamos numa democracia pacífica, o que imaginariamente fazia desaparecer o direito do cidadão à rebelião. Os movimentos de norte a sul do país indicam que a sociedade atingiu o seu limite, não aguenta mais e faz a pergunta por justiça e questiona a legitimidade dos governos que escolheu. A violência empregada pela população quer perguntar ao Estado sobre a noção de justiça que defende: é justa a passagem a R$ 3,05? É justa a derrubada de árvores na Capital? A violência é uma forma desesperada de resistência da sociedade, mas a ação violenta dos órgãos policiais nega o direito de resistência. Os movimentos são violentos porque a sociedade se sente abandonada pelo sistema político e econômico: o problema não é o valor das passagens em si, mas do sistema excludente que obriga a população a não encontrar outra alternativa, que não seja a violência, para ser ouvida. Em Porto Alegre, os manifestantes queriam baixar a passagem e o conseguiram, mas isto não foi suficiente, porque descobriram que é o próprio capitalismo que desejam combater. E, como não há projeto, atendem ao impulso à violência em estado puro. É aí que cometem um erro.
É claro que não queremos a violência, mas o problema justamente é saber aquilo que queremos. O espírito destes movimentos é de revolta e não de revolução, são movimentos de fúria autêntica sem um programa de mudança sociopolítica. A maioria de seus participantes rejeita a violência, mas há ali em seu interior aqueles que seguem praticando-a, produto da descrença na classe política à direita e à esquerda. Movimentos sem programa se tornam histéricos e o que vemos no dia seguinte é a repetição do dia anterior, o que leva a um estado de emergência permanente e o risco da suspensão da democracia política. Como dizia Gandhi, os manifestantes só foram violentos porque “querem dar um basta ao modo como as coisas funcionam” (Zizek), mas o que significa sua violência quando comparada à exercida pelo Estado que afirma existir liberdade mas não tolera a “liberdade de rebelião”?
*DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS
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