UMA BANANA PARA O RACISMO
Justiça

UMA BANANA PARA O RACISMO



ZERO HORA 29 de abril de 2014 | N° 17778


LUÍS HENRIQUE BENFICA


TAPA DE LUVA



Um protesto original, inteligente, muito mais contundente contra o racismo, por seu caráter inovador, do que discursos ou denúncias.

É dessa forma que especialistas ouvidos por Zero Hora qualificam o inesperado ato de Daniel Alves, que comeu uma banana jogada em sua direção por torcedores do Villarreal, em partida disputada domingo, na Espanha.

Incentivado pelo gesto do lateral do Barcelona, o craque Neymar lançou uma campanha nas redes sociais, conclamando as pessoas que condenaram a ação do torcedor do Villarreal a publicar selfies comendo banana sob a hashtag “#somostodosmacacos”, rapidamente acolhida por celebridades e cidadãos comuns.

Para Roberto Romano, professor de política e de ética da Unicamp, “trata-se de um ato político transcendental”, comparável à Marcha do Sal, através da qual a Índia, liderada por Mahatma Gandhi, se insurgiu, de forma pacífica, contra o império britânico. Em 1930, sob a liderança de Gandhi, milhares de indianos se dirigiram ao mar para coletar o próprio sal de cozinha, contrariando determinação do Reino Unido, que os obrigava a adquirir o produto industrializado. A lei seria abolida logo depois.

Na opinião de Romano, o jogador do Barcelona teve a lucidez de introduzir na discussão do racismo um elemento novo, que foge ao convencional, pelo qual o ofendido reage de maneira irritada, mas não vê o debate ganhar consequência prática. Em sua visão, o baiano Daniel Alves, que reforçava o orçamento da família trabalhando na roça na infância, compôs, sem palavras, “uma imagem extremamente eloquente, superior a muitas pregações que, por vezes, se tornam monótonas”.

– Foi um gesto genial, de uma felicidade ética absoluta. Ele deu um choque. Seu gesto simbólico terá mais peso do que muitos discursos. Fiquei orgulhoso em tê-lo como compatriota – emociona-se.

Integrante do grupo de articulação do Fórum Social Mundial para o Movimento Negro, José Antônio dos Santos da Silva não viu na ação de Daniel Alves a atitude de quem se conforma ante uma situação impossível de ser modificada.

Enxerga, ao contrário, um ato de repúdio, só que feito de forma madura.

Como Roberto Romano, José Antonio valoriza o fato de Daniel Alves não ter jogado a banana de volta ao torcedor.

– Esse seria um gesto tão grosseiro quanto o da torcida – avalia.

Advogado e militante da causa negra, Antônio Carlos Côrtes espera que a legislação brasileira tipifique os crimes raciais. Ele se diz convencido de que o gesto de Daniel Alves provocará uma conscientização do mundo do futebol para o problema do racismo. Fonte de energia, a banana foi a forma encontrada pelo jogador para mostrar que está cansado da situação.

Sociólogo do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, Alex Niche Teixeira elogia a capacidade de Daniel Alves de desqualificar o gesto racista do torcedor. Ele vê paralelo entre o ocorrido e o que faz a torcida do Inter, ao enfraquecer o gesto de alguns torcedores gremistas usando a figura do macaco como seu símbolo.

– O que Daniel Alves fez não resolve a questão do racismo, mas inova na forma de estabelecer o debate – interpreta Alex.




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