Casas móveis compactas, vestiários públicos e hortas comunitárias são algumas das sugestões para melhorar a convivência na cidade. Foto: mapa
Acabamento de pedras pontiagudas sob viadutos, grades ou outras estruturas metálicas instaladas sob marquises, vãos de pontes fechados e bancos com barras de ferro atravessadas são apenas alguns exemplos de medidas que cidadãos e poder público já adotaram para repelir moradores de rua em Porto Alegre. Mas e se, em vez de rejeitar essa população, a Capital criasse mecanismos que tornassem viver na rua uma escolha possível?
Locais para lavar roupas ou guardar carrinhos, fazer uma refeição a preço popular, ou mesmo produzir a sua, além da disponibilidade de atividades que criem um envolvimento saudável entre as pessoas e o espaço urbano são exemplos ainda distantes da realidade da maioria.
Autora do trabalho Morar na rua: há um projeto possível?, a mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) Paula Rochlitz Quintão, acredita que, mais que oferecer estruturas adequadas à população de rua, é preciso facilitar o acesso dessas pessoas a elas, direcionando as alternativas para as áreas onde costumam circular — via de regra, na região central das cidades.
— Essa população é um contingente que se refaz, e sempre existirá uma parcela que não quer deixar as ruas. Mas, se alguém que mora na rua tem onde tomar banho, lavar suas roupas, pegar o transporte público, essa pessoa poderá levar uma vida mais digna, entrar no mercado de trabalho e, talvez, queira deixar as ruas no futuro — destaca Paula.
As razões que levam alguém a adotar a via pública como moradia vão da perda de um emprego a um assalto na chegada a uma nova cidade, passando pela violência doméstica, abuso de álcool ou drogas e até mesmo uma desilusão amorosa. Sua diversidade e complexidade resultam em uma equação tão simples quanto incômoda: qualquer pessoa é um morador de rua em potencial.
Só em Porto Alegre, um levantamento de 2011 da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) indicou que mais de 1,3 mil pessoas vivem nessa situação. Segundo Fernando Fuão, coordenador do projeto Universidade na Rua da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no entanto, esse número está desatualizado: já oscilaria entre 3 mil e 5 mil o número de moradores de rua na capital gaúcha.
Apesar da crescente demanda, as opções de quem mora na rua são restritas. É possível pernoitar em um albergue ou abrigo, porém as regras são rígidas, e o número de vagas — o total não chega a 600 — está muito abaixo do necessário. O resultado é que esses instrumentos, muitas vezes, acabam por repelir em vez de auxiliar a população de rua.
Para Eber Marzulo, integrante do projeto da UFRGS que busca conhecer melhor e debater o problema das pessoas em situação de rua, os albergues precisam ser humanizados, deixando de funcionar como reformatórios para se tornarem abrigos. Outras medidas, mais simples, como a instalação de mais bebedouros, banheiros e duchas públicas pela cidade, ajudariam a melhorar o ambiente urbano para todas as pessoas.
— É preciso fazer o oposto do que é feito hoje no sentido de impedir o uso pelas pessoas e tornar a cidade habitável ao morador de rua. Se ela for amigável a essa população, ela será amigável a qualquer usuário.
Promover a harmonia entre quem tem um teto e quem, por força das circunstâncias, se viu obrigado a morar a céu aberto, é visto por pesquisadores do tema como único caminho possível para melhorar a convivência no espaço urbano. Para que isso ocorra, porém, é necessário inverter a lógica repulsiva adotada em grandes cidades.
— Essa população é cada vez maior no mundo todo. É fundamental que a cidade e os cidadãos se perguntem o que poderia ser feito para melhorar a relação com a população de rua. O mais importante é a humanização do ambiente urbano — destaca Maria Cecília Loschiavo dos Santos, professora titular da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP).