Lucas Bessel e Ana Carolina Nunes Na quarta-feira 23, enquanto a presidenta Dilma Rousseff sancionava o Marco Civil da Internet em um evento em São Paulo, um pequeno grupo de manifestantes protestava exibindo imagens do rosto do ex-analista da CIA Edward Snowden. Responsável por revelar o esquema de espionagem internacional montado pelo governo dos Estados Unidos – que atingiu de cidadãos comuns a autoridades estrangeiras, como a própria Dilma –, Snowden, hoje asilado na Rússia, virou símbolo de uma demanda global por mais privacidade na rede. No Brasil, esses pedidos influenciaram diretamente a criação do Marco, um conjunto de leis com direitos e deveres dos usuários e empresas na internet (confira quadro). Classificado pelo governo como referência mundial em legislação para a rede, o texto, que deverá entrar em vigor em dois meses, traz importantes avanços no que diz respeito à proteção dos dados pessoais dos internautas. Ele, no entanto, não muda um fato muito simples e concreto: em última instância, o grande responsável por manter informações a salvo na internet é o próprio usuário.
MASCARADOS
Manifestantes exibem fotos do ex-analista da
CIA Edward Snowden, o dedo-duro da espionagem
americana, durante sanção do Marco Civil da Internet
“Do que foi planejado para o que foi aprovado, ficamos 70% fiéis ao texto original, feito por consulta pública”, diz Ronaldo Lemos, advogado especialista em internet, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e um dos idealizadores do Marco. Apesar de considerar a aprovação “uma vitória da democracia”, Lemos afirma que o texto representa apenas o primeiro passo para aumentar a segurança do usuário da rede. “Ainda falta a aprovação da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que está parada no Ministério da Justiça há pelo menos quatro anos.” Essa lei, segundo o especialista, vai definir como serão protegidos os dados no Brasil e o que pode ou não pode ser feito com as informações. O Marco aprovado estabelece que apenas mediante ordem judicial os provedores de conexão podem revelar a identidade ou outros dados dos usuários.
AINDA FALTA
Ronaldo Lemos, um dos idealizadores do Marco Civil:
"apenas o primeiro passo"
A tão almejada privacidade também é relativa no que diz respeito a serviços de redes sociais ou busca, mesmo após a aprovação do Marco. A publicidade dirigida – em que empresas como Facebook ou Google usam o histórico de navegação e interesses de seus usuários para enviar ofertas comerciais selecionadas – não deixará de ocorrer. Esse é o inevitável preço que se paga pelos benefícios “gratuitos” da rede. O novo texto estabelece, porém, que o possível aproveitamento dessas informações pelas empresas deve ficar explícito nos termos de uso, aqueles que nenhum internauta jamais leu. Procurado por ISTOÉ para comentar o assunto, o Facebook do Brasil se limitou a informar que “apoia os esforços para assegurar uma internet livre e aberta, que gere oportunidades e benefícios importantes para a sociedade brasileira”. Em nota, o Google informou que “sempre apoiou abertamente o Marco Civil da Internet, resultado de um rico debate que levou a um projeto de lei moderno, composto de princípios reconhecidos globalmente”.
Enquanto aguarda regulamentação, o Marco Civil já enfrenta pressões por mudanças em um aspecto que é polêmico em todo o mundo: a guarda de dados. O texto estabelece que os provedores de serviços, como redes sociais, bancos ou lojas virtuais, devem manter guardados por seis meses os registros de navegação de todos os seus internautas. “O armazenamento em massa e irrestrito reduz a liberdade de expressão, pois passa a impressão de que estamos constantemente sendo vigiados”, afirma Paulo Rená, representante do Movimento Marco Civil Já. A Europa havia aprovado, em 2006, uma diretiva similar, que obrigava empresas a conservar dados pessoais de usuários para combater o terrorismo e o crime organizado. No início deste mês, entretanto, o Tribunal de Justiça Europeu considerou a regra inválida. Além da discussão sobre os limites da atuação do Estado sobre as atividades diárias dos cidadãos, existe grande preocupação sobre a segurança desses dados armazenados. É possível garantir que eles não serão acessados ilegalmente? “As grandes empresas provedoras já têm uma estrutura para isso, então a principal preocupação é com as pequenas empresas, os pequenos servidores”, diz Eduardo Merger, presidente da Associação Brasileira de Internet. A melhor solução, por enquanto, é contar com a própria discrição na rede.
Colaborou Ana Carolina Neira
Fotos: Jorge Araújo/Folhapress; Rodrigo Castro