GUILHERME MAZUI E ITAMAR MELO
“Constituição” da web volta à pauta
Polêmico projeto de lei que define direitos e deveres na internet, o marco civil impedirá que outros temas entrem em debate na Câmara se não for votado a partir de hoje, devido a pedido de urgência feito pela presidente Dilma. Entenda por que a proposta é motivo de embates entre o governo e as empresas de telecomunicações
Espécie de “Constituição” da rede, que busca regulamentar o uso da web no Brasil, o Marco Civil da Internet tramita há dois anos na Câmara dos Deputados. Engavetado pelas divergências entre governo, empresas de telecomunicações e gigantes do mundo virtual, o projeto ressurgiu com a denúncia de espionagem baseada em documentos vazados pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, em inglês) Edward Snowden. O cenário conturbado torna imprevisível o desfecho da votação.
Com o pedido de urgência da presidente Dilma Rousseff, provável vítima da vigilância americana e, a partir de hoje o projeto do marco (PL 2126/2011) tranca a pauta da Câmara. O que não significa que será votado amanhã, na retomada das sessões. Antes de levar o texto a plenário, é preciso costurar o acordo entre os partidos, negociação que dará maior relevância à discussão da segurança dos dados dos milhões de internautas brasileiros.
Na tentativa de reforçar a segurança, Dilma defende o armazenamento no país dos dados dos brasileiros. A proposta desagrada gigantes como Google e Facebook, que teriam de investir em novos data centers. Apesar da preferência da presidente, a obrigatoriedade dos bancos de dados só será confirmada no projeto nos próximos dias, revela o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do marco civil. Para ele, a regra não terminará com a espionagem, mas permitirá a punição dos bisbilhoteiros.
– Atualmente, quem viola a privacidade não é punido porque os dados ficam em outros países, o que tira o efeito das leis brasileiras – explica.
Outro tema que terá debates acalorados é o conceito de neutralidade da rede, sem discriminação de acesso na internet. O modelo é defendido pelo governo e por provedores de conteúdo, mas sofre resistências das empresas de telecomunicações. As teles pretendem comercializar pacotes especializados por conteúdos (e-mails, redes sociais, vídeos), na contramão da neutralidade.
– As teles reclamam que o projeto limita o modelo de negócio, mas é papel do Congresso defender o internauta. O modelo de negócio se adapta ao bem do usuário – defende Molon.
Já o líder do PMDB Eduardo Cunha (RJ) apontado como “patrono” dos interesses das teles, negocia para derrubar a neutralidade do texto:
– Não vejo problema em pacotes diferenciados. Quem só usa e-mail, por exemplo, paga menos. Por que comprar uma Ferrari quando um Fusca resolve?
Para ministro, lei traz estabilidade jurídica
Ministro das Comunicações e um dos articuladores do Marco Civil da Internet, Paulo Bernardo confia na aprovação do projeto:
– Claro, com debates acalorados e algumas votações sem consenso prévio. Com sua aprovação, teremos uma lei moderna e abrangente, se comparada com qualquer país do mundo. Também nos trará estabilidade jurídica, diminuindo os contenciosos em torno da web.
Na quinta-feira, o diretor de Políticas Públicas do Google, Marcel Leonardi, afirmou durante o evento Futurecom, no Rio de Janeiro, que exigir de empresas que operam no Brasil a instalação de data centers em solo nacional atrasaria ou impediria o lançamento de produtos da companhia no país.
– A dificuldade é grande para identificar o que é dado brasileiro. É quem se declara brasileiro? É quem passa por aqui em viagem? É um IP brasileiro? Na oferta de novos serviços e funcionalidades, o Brasil entraria no fim da lista – afirmou.
TIRE SUAS DÚVIDAS
O que é a neutralidade da rede? - É uma garantia de que os pacotes de dados serão tratados sem distinção de conteúdo, origem, destino ou serviço. A ideia é impedir que o provedor de conexão (empresa que vende acesso à internet) escolha o que o cliente pode acessar e diferencie velocidades de acesso para alguns sites, em detrimento de outros.
Os provedores de conexão de internet poderão vender pacotes de velocidade diferenciados? - Sim. A neutralidade da rede estabelece que, se o pacote adquirido for de 10 megabytes, tudo o que o usuário acessar deverá ser tratado com a mesma velocidade de 10 megabytes.
Como a privacidade dos internautas será protegida? - O provedor de conexão poderá guardar os dados de acesso – como IP, data e hora – por um ano. Ele não poderá guardar dados de aplicação (como o que a pessoa procurou ou escreveu na internet). Os chamados provedores de aplicativos, como Facebook e Google, poderão guardar apenas os dados de aplicação – ou seja, o que foi feito dentro dos seus sites, onde o usuário é identificado apenas pelo número do IP.
As comunicações dos usuários poderão ser violadas? - O marco civil determina o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado direito à indenização pelo dano material ou moral em caso de violação. Também assegura direito à inviolabilidade das comunicações, salvo se houver ordem judicial em contrário. Um dos artigos proíbe ainda “bloquear, monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados”.
Os dados pessoais do internauta serão protegidos? - Quando um usuário encerrar seu perfil em rede social, ele terá o direito de pedir a exclusão definitiva de seus dados, que não poderão ficar arquivados contra sua vontade.
O que o marco civil determina em relação à liberdade de expressão na internet? - Hoje, quando alguém se sente atingido por uma postagem, procura o provedor onde o conteúdo está hospedado e pede a retirada. Segundo os autores do projeto, o provedor em geral retira o conteúdo, por temor de ser condenado a uma indenização. Com o marco civil, o provedor só poderá ser responsabilizado civilmente por dano gerado por usuários se, após ordem judicial, não tomar as providências para retirar o conteúdo do ar. O objetivo é assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura.
Fonte: Fonte: gabinete do deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto