A cada dia que passa, fico mais convencido de que há alguma coisa errada, muito errada com o Brasil de hoje. Praticamente todos os dias, acontece um ato de violência social por aí – da queima de ônibus na periferia a invasões de shopping centers; da transformação do Ceagesp de São Paulo em praça de guerra a barricadas erguidas nas estradas com pneus em chamas; de passeatas contra a Copa do Mundo a quebra-quebra generalizado na hora do rush. Se, algum dia, o tal do “homem cordial”, de que falava o historiador Sérgio Buarque de Holanda, realmente existiu, hoje ele não passa de uma lenda.
Diante dos acontecimentos dramáticos que se sucedem no país desde junho do ano passado, quando uma onda de manifestações levou milhões de pessoas às ruas, a impressão é de que o Brasil de hoje é um país em convulsão social, uma panela de pressão pronta para explodir pelo menor motivo a cada momento. De repente, é como se o Brasil precisasse de um grande movimento social para recolocar a Nação na trilha da tolerância com a diferença, de convivência pacífica e democrática entre os opostos.
Hoje, tudo, absolutamente tudo, torna-se alvo de contestação e violência, principalmente por parte de grupelhos de ativistas radicais e de revolucionários intolerantes, quase todos de orientação marxista-leninista, que se dedicam dia e noite à causa. O pior é que, muitas vezes, contam com apoio de políticos de extrema esquerda e até mesmo com patrocínio oficial, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), conhecido por invadir fazendas legitimamente registradas em cartório e pregar o fim da propriedade privada no país.
Se a blogueira cubana, Yoani Sánchez vem ao Brasil para dar uma palestra, um grupo de xiitas pró-Cuba a impede de falar. Se a prefeitura do Rio de Janeiro aumenta as passagens de ônibus, mesmo que bem abaixo da inflação, logo surge um bando – o mesmo de sempre – para bagunçar o coreto. Ontem, em São Paulo, a atriz espanhola Angélica Liddell teve de interromper a sua performance, porque meia dúzia de ativistas subiu ao palco para protestar contra o uso de um cavalo na peça, embora o animal não fosse alvo, aparentemente, de maus-tratos. Será que o próximo passo será defender o fim do Jóquei Clube, por realizar corridas de cavalo?
Muita gente pode achar que tudo isso é normal, que é resultado da democracia que se instaurou no país com o fim do regime militar, em 1985. Eu não. Acredito que só uma sociedade doente, profundamente dividida em relação aos rumos do país, pode viver num ambiente assim. Só uma sociedade atordoada, que perdeu as referências de quais são os limites da civilização, do que é certo e errado, pode acreditar que isso é normal. Hoje, a vida nas grandes cidades do Brasil está se tornando cada vez mais perigosa e arriscada – e não só por causa do trânsito enlouquecido e da violência da bandidagem. Já não se pode sair de casa sem ouvir o noticiário para saber onde vai ser a "guerrilha urbana" do dia, para tentar não cruzar com ela. Preocupados com o noticiário, pais e mães ligam para seus filhos no meio do dia para saber se está tudo bem. A família do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da Band, morto depois de ter sido atingido por um rojão num protesto, sabe o que isso significa melhor do que ninguém.
Não sei onde tudo isso vai dar, mas acredito que, se esse acirramento de ânimos continuar, dificilmente vai acabar bem. Do jeito que a coisa vai, desconfio que logo, logo, esse embate ganhará novos contornos. Em vez de os grupelhos de extrema esquerda resistirem à polícia, quando ela dá o ar de sua graça para proteger a população e o patrimônio público e privado do vandalismo, eles vão acabar enfrentando grupos rivais igualmente radicais, como acontecia nos anos 1930, quando comunistas e integralistas lutavam entre si, sem dar a mínima para a democracia -- e todos nós sabemos onde isso costuma acabar. Sinceramente, espero estar enganado. Ficarei até feliz com isso. Estou certo, porém, de que esse Brasil, marcado pelo radicalismo e pela violência social, não é o Brasil que sonhamos para nós, para os nossos filhos e para os nossos pais.