LÉO GERCHMANN
Manifestantes que tomaram as ruas de seus países antes de o mesmo ocorrer no Brasil veem tais episódios como uma oportunidade de aprimoramento democrático.
– As manifestações no Brasil são uma inspiração para todos os que lutam nas várias partes do mundo. Nós, do outro lado do oceano, não podemos deixar de ver com grande esperança o que se passa. É significativo ver que esta gente se junte para exigir um futuro melhor e, mais do que isso, um presente decente – diz o ativista português João Curvêlo.
Com a rejeição aos partidos políticos em geral, ao proselitismo e às coalizões feitas a partir da troca de interesses, mesmo que legítimos, o futuro da democracia está em discussão. As eleições que ocorreram após os protestos nos países europeus, por exemplo, tiraram do poder os governantes de turno, tanto à esquerda quanto à direita. Na Espanha, o socialista José Luiz Zapatero foi sucedido pelo conservador Mariano Rajoy. Na Grã-Bretanha o trabalhista Gordon Brown deu lugar ao também conservador David Cameron. Na França, Nicolas Sarkozy foi sucedido pelo socialista François Hollande.
Se o significado literal de democracia é “poder (kratos) do povo (demos)”, a interpretação do conceito varia. O ponto comum entre os analistas é que a democracia formal tem pilares básicos: eleições universais, liberdade de expressão e três poderes autônomos que atuam como pesos e contrapesos.
O cientista político argentino Gabriel Vitullo, entusiasta das manifestações, vê nelas, porém, a demonstração de que a “democracia liberal” (representativa) está no ocaso. E vê a abertura de “um novo tempo no Brasil, revelando um caldeirão fervente de poderosas insatisfações acumuladas”.
– Não há uma definição única de democracia. É um conceito em disputa. Mas questiono severamente a democracia liberal. A insatisfação já se mostrou na Espanha, em Portugal, na Turquia, agora no Brasil. Isso está vindo à tona agora. As pessoas não se sentem representadas. A democracia não pode se limitar ao voto. As liberdades são formais, e os movimentos sociais são criminalizados – afirma Vitullo.
Invenção de formas para participar mais
A democracia representativa (em que são votados representantes para um parlamento) surgiu como solução quando as populações cresceram. Na origem grega, era direta (as pessoas votam sobre temas na ágora). Representantes (parlamentares) começaram a ser eleitos para dar vazão às reivindicações. A questão é: a democracia pode ir além dos aspectos formais? O embaixador brasileiro Jorio Dauster vê no conceito de “democracia ideal” ou “democracia real” quase uma utopia.
– Isso pode existir em países com 3 milhões de habitantes e acesso universal à cultura e à informação. Talvez nos países escandinavos – cogita Dauster, embaixador do Brasil junto à União Europeia nos anos 1990 (durante o governo de Fernando Henrique Cardoso).
O espanhol Manuel Rodríguez vai direto ao ponto. Fala em “democratizar a democracia” e que é necessária a “invenção de fórmulas de participação política distantes dos mecanismos tradicionais”:
– Essa tensão atravessa os diferentes movimentos de indignados do planeta e molda suas demandas específicas em razão dos diversos contextos sociais e históricos, Tunísia, Egito, Espanha, Brasil, Turquia.
O português João Curvêlo, ao projetar um futuro para o Brasil pós-manifestações, prevê que os temas que estiveram na origem serão diversificados:
– Em Portugal, cerca de 1 milhão saíram às ruas. Foi histórico. Mas as reivindicações não se esgotaram. As pessoas perceberam que a austeridade só piorou a situação do país.
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