A MÁFIA DO JOGO - PEQUENOS CRIMES EM FAMÍLIA FINANCIAM
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A MÁFIA DO JOGO - PEQUENOS CRIMES EM FAMÍLIA FINANCIAM


Pequenos crimes em família financiam o jogo - Itamar Melo, Zero hora 08/05/2011

O descontrole desencadeado pela doença do jogo costuma ter entre seus subprodutos mais perturbadores pequenos furtos em família e desfalques no trabalho. O crime financia o vício. Uma pesquisa feita pelos Jogadores Anônimos nos Estados Unidos revelou um dado alarmante: 56% dos integrantes de um grupo de apostadores doentios admitiam ter roubado. A média era de US$ 60,7 mil furtados por pessoa. No Brasil, o índice foi de 25%.

Uma moradora de Canoas de 43 anos furtou pela primeira vez em 2009. O marido viajou para a Itália, e ela ficou tomando conta da empresa. Sacou R$ 10 mil da conta dele para apostar nos caça-níqueis. Durante os 20 dias de ausência do empresário, ela jogava todos os dias, até o fim da noite.

– Você tem de alimentar o vício. Se você é cheirador, usa a droga todo dia. O jogo também exige todo dia. Você quer ganhar, mas não é pelo dinheiro. É para poder jogar mais tempo. O jogo de azar é demoníaco – conta.

Quando o marido percebeu o que estava havendo, o rombo acumulado de meses era considerável. As perdas haviam ultrapassado os R$ 70 mil, as dívidas se empilhavam, as contas atrasavam. Descoberta, a mulher prometeu parar. Mas não cumpriu.

– Continuei roubando e mentindo por meses. Roubei ainda mais do que antes.

Entre junho de 2009 e fevereiro de 2010, ela viveu um período de abstinência. Então forçou uma briga com o marido, pegou R$ 1,3 mil dele e recaiu. Na volta, o empresário fez uma proposta desesperada:

– Não sei mais o que faço. Como não consigo vencer o jogo, que tal eu lhe dar R$ 200 todo sábado, para alimentar seu vício? Está bom para você? Assim pelo menos eu sei onde você está.

Ela não aceitou. Queria acabar com o tormento. Pediu socorro ao marido e está sem jogar desde então, com apoio dele e do JA. Não pega mais dinheiro na mão. Deixou até de ter salário, porque o salário desaparecia em questão de horas. O marido e a filha controlam todas as despesas.

– Não posso ter dinheiro. Se tiver, eu vou mentir, enganar e jogar. O demônio continua dentro de mim. Ainda sinto uma vontade desesperada – descreve.

Estudos apontam que a maioria dos jogadores patológicos incorre em comportamentos perigosos. Na angústia que se segue às perdas, chegam a impor castigos a si próprios. Uma médica de 37 anos da Capital costumava se mutilar nos dias de maior prejuízo – chegou a perder R$ 4 mil em uma tarde em um caça-níquel. Abstinente há um ano e dois meses, carrega no corpo cicatrizes lavradas a faca.

– Colocava nota de R$ 50 na máquina como se não fosse nada. Chegava em casa, e aí me dava conta. É um desespero total ver a vida indo para o fundo do poço. Tinha vontade de me matar. Eu me cortava no braço, nas pernas. A mutilação era uma punição por não conseguir parar. Era para ver se eu apagava o que estava sentindo. O cérebro registra a última dor sentida. Com a mutilação e o corte, aliviava o sentimento de dor do jogo e me acalmava.

A médica, que vendeu dois automóveis, a coleção de livros raros e três notebooks para jogar, chegou a ter uma dívida de R$ 200 mil. No período de abstinência, conseguiu reduzi-la a R$ 150 mil. No mês passado, em férias, relaxou no tratamento e nas reuniões do JA. Quase recaiu.

– A vontade disparou. Minha salvação foi ligar para uma amiga do grupo. Ela me freou.

“Caça-níqueis é como crack”. Maria Paula Tavares de Oliveira, doutora em dependência do jogo

ZH – O jogo é como o vício em drogas?

Maria Paula Tavares de Oliveira – Os critérios para jogo patológico e dependência em drogas são muito semelhantes. É só trocar a palavra droga por jogo. A pessoa começa para se divertir socialmente, e algumas são apanhadas. A vida passa a girar em torno desse comportamento.

ZH – Mesmo perdendo muito dinheiro, o jogador não consegue parar. Por quê?

Maria Paula – Ele sente um prazer imenso. Não para quando perde porque nega a perda. Tem a fantasia de que recuperará o que perdeu na aposta seguinte.

ZH – Como o apostador se sente depois que para de jogar e percebe o prejuízo?

Maria Paula – Deprimido, angustiado. Joga para ver se recupera o que perdeu, se a angústia passa. Já tive paciente que, no seu aniversário, falou que ia dar uma passada no bingo e esqueceu da festa.

ZH – Há jogos mais viciantes?

Maria Paula – Alguns são mais propícios. Na loteria, o resultado demora e dá tempo de pensar. Mas no caça-níquel, que fornece resposta instantânea, perde-se a noção. É como o crack, com efeito na hora. O prazer é intenso e imediato.



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