TRIBUNAIS ESTÃO ABARROTADOS
Justiça

TRIBUNAIS ESTÃO ABARROTADOS



ZERO HORA, 28 de maio de 2012 .
AVALANCHE DE PROCESSOS

Com uma média de um processo para cada dois gaúchos, o Estado é o campeão na proporção de casos judiciais por 100 mil habitantes - ANDRÉ MAGS E HUMBERTO TREZZI


Foi numa das tradicionais reuniões-almoço na Federação das Associações Comerciais-RS (Federasul) que um insuspeito palestrante alertou: a Justiça gaúcha está à beira do colapso.

O autor da frase foi o presidente da seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), Cláudio Lamachia. Ele disse que o Rio Grande do Sul, com a maior média nacional de casos novos por servidor judicial (298/ano), entupiu os tribunais de causas. E a escassez de servidores e o número insuficiente de magistrados têm sobrecarregado a categoria que ele representa, os defensores.

– Hoje faltam mais de 1,5 mil servidores no Judiciário gaúcho, mas as pessoas não sabem disso. Algumas citações demoram mais de seis meses para serem feitas. Quando o cliente quer explicações para a demora no seu processo, cobra do advogado – reclama Lamachia.

No ano passado, tramitaram na Justiça Estadual gaúcha 5,8 milhões de processos. Isso dá uma incrível média de um processo para cada dois gaúchos. Não por acaso, o Rio Grande do Sul há anos é o campeão, dentre as 27 unidades da Federação, na proporção de casos por 100 mil habitantes/ano. Em 2011, foram 18 mil casos novos para cada 100 mil habitantes, contra 12 mil do segundo lugar, o Distrito Federal.

E não existem juízes e servidores para tanta vontade de brigar nos tribunais. A média é de 19 mil processos por Vara Cível, aquela onde o queixoso, entre outras coisas, exige dinheiro como reparação pelo prejuízo que acredita ter sofrido. Mas, dentro da área cível, as Varas da Fazenda Pública constituem um pesadelo em especial para quem tem o dever de julgar: a média de processos por juiz está acima de 50 mil por ano. Alguns magistrados julgam mais de 130 processos por dia, até 10 numa hora (veja entrevista na página ao lado).

Falta funcionário para tanto serviço

Não só os magistrados estão assoberbados de serviço, mas também os servidores. Em Quaraí, na Fronteira Oeste, a Vara Cível deveria ter sete deles. Está com três, mas durante todo o início deste ano funcionou com dois. Lajeado tem 70, mas 24 são celetistas (contratados). Como a recomendação no Judiciário é de que todos sejam concursados, eles terão de ser substituídos. E não há previsão orçamentária para arcar com esse custo. A intenção de fazer concursos acaba esbarrando na Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece limites para gasto com servidores. Lamachia sugere revisão dessa lei – com critérios menos drásticos para casos em que há necessidade real de concursos – e, enquanto a legislação não muda, suplementação de verbas para o Judiciário.

O desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça-RS, admite o problema e diz que ele se deve, em parte, a uma “mistura de consciência e belicosidade” no temperamento dos gaúchos:

– Continuam brigando na Justiça, impetrando recursos, mesmo quando é evidente que a causa está perdida. No Superior Tribunal de Justiça, 20% dos recursos vêm do Rio Grande do Sul, embora tenhamos menos de 5% da população brasileira.

AVALANCHE DE PROCESSOS. Espera por dinheiro chega a uma década

Há 10 anos, o ex-portuário José Maria de Oliveira, 65 anos, aguarda pelo momento que poderá mudar sua vida. Aposentado, morador de Porto Alegre, divorciado e pai de um filho, Oliveira ingressou no início dos anos 2000 com uma ação na Justiça do Trabalho para equiparar seus rendimentos aos de outros colegas. Entre quinquênios, adicionais por tempo de serviço e outros, o bolo somaria mais de R$ 600 mil, calcula.

Mas Oliveira não consegue ver a cor do dinheiro. Transformada em precatório, a dívida do governo do Estado nunca foi paga. Está parada em um limbo que inclui as ações de diversos portuários como Oliveira. E ele teme que assim permaneça, até não ter mais forças.

Ao sofrer uma ameaça de infarto, recebeu um aviso do médico que o tratou. No caso de infartar, há grandes chances de não resistir.

– Eu usaria esse dinheiro para ajudar a família. Não é que eles estejam necessitados, mas é justo. Eu trabalhei a vida toda. Não sei como vai ficar. Porque o médico disse: da próxima vez, o infarto não vai ter erro.

Qual a saída

O desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça-RS, diz que uma das saídas encontradas pela Justiça para agilizar os processos é estimular a criação de câmaras de conciliação e arbitragem, nas quais o magistrado busca um acordo entre as partes. Outra válvula de escape da pressão por julgamentos são os Juizados Especiais, nos quais a questão tramita com rapidez – desde que os valores em jogo sejam pequenos.

Martins acredita que só uma reforma nas leis do Direito Processual Civil, diminuindo as contestações das sentenças, poderá reduzir o assoberbamento do Judiciário – o desembargador ressalva que, mesmo com sobrecarga, os juízes gaúchos têm alto índice de resolução de casos. Ele exemplifica com um caso de acidente de trânsito sem feridos:

– Não tem o menor sentido, em um acidente de trânsito em que não morreu ninguém e houve danos de pequena monta, haver possibilidade de dois, três ou quatro recursos.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É sabido que o Poder Judiciário brasileiro consome quase 80% do orçamento em salários, além de gastar em prédio luxuosos. Diante desta realidade, faltam recursos para aumentar o número de juízes e servidores, criar novas varas de justiça, manter plantões judiciários e investir em tecnologia para aproximar a justiça e reduzir a carga burocrática. Outro problema grave está no modelo de justiça aplicada no Brasil que ainda mantém como ponto de partida o inquérito policial (peça acessória refeita na fase processual) que é o principal fomentador de vários volumes a serem estudados e discutidos, aumentados pelos atos na fase processual. A seguir, temos o transitado em julgado centralizado nas cortes supremas, a enorme gama de recursos, os amplos prazos, a tramitação, as decisões divergentes, as ligações burocratas, o acesso sem limitações via papel e a grande demanda por justiça no Brasil sem uma triagem mais ágil, oral e presencial.







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