TV GLOBO Fantástico Edição do dia 11/01/2015
Imagem mostra terroristas se abraçando para comemorar atentado. Jornalista que trabalha no mesmo prédio do Charlie Hebdo filmou fuga dos terroristas após atentado a jornal. Vinte mortes, 17 delas de inocentes, em três dias de terror. Uma das cidades mais lindas do mundo, um dos berços da civilização moderna, teve a rotina profundamente abalada essa semana. Brasileiras que moram em Paris e testemunharam esses fatos deram seus depoimentos ao Fantástico. E uma das pessoas que filmaram os assassinos em fuga relembra com imagens exclusivas os momentos de tensão.
Tiros. Correria. Pânico nas ruas de Paris. Quarta-feira passada, 7 de janeiro. Na sede do jornal Charlie Hebdo, um dia de reunião, cartunistas e jornalistas decidem o que fazer para a próxima edição.
São 11h20, hora local, 8h20 no Brasil, dois homens procuram o prédio onde fica o jornal. Encapuzados e armados com fuzis, chegaram a entrar por engano em outro prédio na mesma rua, mas agora sabem onde estão os alvos no número dez da Rua Nicolas Appert. No saguão, encontram dois funcionários da manutenção. Os terroristas atiram e matam um desses empregados, Frèdèric Boisseau, de 42 anos. Onze e meia, eles abordam na escada a cartunista Coco, apelido de Corinne Rey. A cartunista está com a filha, que saiu da creche ainda há pouco. Coco é obrigada a digitar o código eletrônico que destranca a porta do jornal.
Os atiradores entram na sala de reuniões. Coco se esconde com a filha debaixo de uma mesa. Eles reconhecem o editor-chefe do jornal, o cartunista Stéphane Charbonnier. Chamam pelo nome pelo qual ele era conhecido 'Charb' e atiram. Em seguida, vão chamando outros cartunistas e abrindo fogo. Além de Charb, morrem os cartunistas Cabu, Tignous e Honoré. Além de Bernard Maris, um dos sócios do jornal, Elsa Cayat, uma psicanalista e colunista da publicação, a única mulher a ser morta e um dos desenhistas mais respeitados do mundo, George Wolinski.
Três outros participantes da reunião são feridos e dois escapam ilesos, Laurent Leger se joga embaixo da mesa e não é visto pelos atiradores. Sigoléne Vinson fica sob a mira do fuzil. Os terroristas dizem que não vão matá-la porque ela é mulher e mandam que ela se converta ao islamismo. Agora, os terroristas atiram em funcionários que estão na redação. Matam o revisor Mustapha Ourrad e Michel Renaud, que visitava amigos no jornal. Na saída do prédio, os dois ainda matam o policial Franck Brinsolaro, que era segurança do editor-chefe e cartunista Charb. Até agora, são 11 os mortos.
O correspondente André Luiz Azevedo localizou a brasileira Jucilaine Barrault, que é vizinha do jornal. E ela estava em casa quando tudo aconteceu. “Eu ouvi mesmo foi o barulho dentro do imóvel, dentro do imóvel do jornal, foi um barulho onde eu cheguei a pensar que eram bombas”, conta. Jucilaine, casada com um francês, mora em uma esquina, a poucos metros do Charlie Hebdo. “Eu ouvi as primeiras explosões, eu me perguntei: ‘mas o que tá acontecendo?’ E logo em seguida eu ouvi outras explosões, foi aí onde eu corri para a janela. Quando eu corri pra janela, eu vi dois indivíduos que entravam já num carro escuro e fugiam”, diz a brasileira.
A fuga é interrompida. Policiais se aproximam. Uma troca de tiros acontece a cerca de 180 metros da sede do jornal. Um dos policiais é atingido pelos terroristas é Ahmed Merabet, um muçulmano. Ferido, caído no chão, Ahmed se rende, mas leva um tiro na cabeça. É décima segunda vítima fatal.
Entre os flagrantes que assustaram o mundo, estão imagens filmadas com um celular. Quem está filmando, é Martin Boudot, um jornalista francês. Ele trabalha no mesmo prédio do Charlie Hebdo. Na manhã deste domingo (11), o correspondente André Luiz Azevedo conversou com o jornalista. O Fantástico obteve com exclusividade para o Brasil a íntegra da gravação mostrada no vídeo acima. Quando ouviram os primeiros tiros, Martin e os colegas foram para o terraço, tentando se proteger.
Martin diz que, como é jornalista, em uma hora dessas consegue se distanciar da situação e só pensa em registrar o que está acontecendo. Ele conta que viu os terroristas já na rua. Os primeiros policiais chegam de bicicleta. O jornalista orienta os colegas a procurarem um local seguro, do lado esquerdo do terraço. E aí começa o tiroteio. Os terroristas vão em direção ao carro, um deles levanta o braço em comemoração. Martin diz ainda que conseguiu entender o que o atirador disse nessa hora: "Nós vingamos o profeta, nós vingamos o profeta."
Uma das pessoas que se abriga no terraço se arrisca indo até o parapeito para tentar ver o que estava acontecendo. Depois disso, o vídeo mostra uma imagem que até este domingo era inédita: no fundo da imagem, os terroristas se abraçam para comemorar a chacina. No momento em que os atiradores voltavam para o carro, o jornalista teve medo. "Tive medo que eles nos vissem", diz Martin. "Medo de que eles voltassem pro prédio". O que felizmente não aconteceu.
O jornalista francês Wandrille Lanos, que fala português, também trabalha no mesmo edifício do Charlie Hebdo. “Quando cheguei, vi um corpo abaixo no chão. Com um pouco de sangue. Não sabia o que fazer, porque era a confusão máxima. Seguimos, entramos juntos na sala maior, de reunião. A gente viu no chão que havia muitas, muitas pessoas, sabe? Muitos corpos”, conta o jornalista.
A notícia do ataque se espalha pela cidade e pelo mundo. Começam as buscas. Paris é colocada no alerta máximo. À noite, os suspeitos são identificados pela polícia: os irmãos Chérif e Said Kouachi, descendentes de argelinos. Próximo ao local do ataque, começam as vigílias e homenagens aos mortos.
O dia seguinte, quinta-feira (8), amanhece com um tiroteio no subúrbio de Paris. A policial Clarissa Jean-Philippe, de 25 anos, é morta. O bandido foge. As autoridades logo descobrem que esse ataque foi cometido por Amedy Coulibaly, de 32 anos. E que Amedy é parte da mesma célula terrorista dos irmãos Kouachi.
Oitenta e oito mil oficiais de segurança seguem a busca nas ruas de Paris. À noite, as luzes da Torre Eiffel se apagam em luto. Sexta-feira (9), após dois dias em fuga, os irmãos Koauchi são encurralados em uma gráfica, na cidade Dammartin-en-Goële, a 40 quilômetros ao nordeste de Paris. Por telefone, o mais novo, Chérif Kouachi, fala com um jornalista da TV local BFMTV. “Nós, eu afirmo, nós somos os defensores do profeta. E eu, Cherif Kouachi, fui enviado pela Al- Qaeda do Iêmen”, diz.
No mesmo dia, Amedy Coulibaly, o homem que matou uma policial, invade um supermercado de produtos judaicos. Com um rifle, ele faz reféns. Amedy ameaça abrir fogo se a polícia tentar capturar os irmãos Kouachi. E também conversa, por telefone, com o mesmo jornalista que falou com Chérif.
Jornalista: Você tem alguma ligação com os dois irmãos que fizeram a operação no Charlie Hebdo?
Amedy Coulibaly: Sim, nós fizemos as operações sincronizadas.
O enviado especial André Luiz Azevedo conversou com uma brasileira que mora bem perto do supermercado.
Fantástico: O que chamou primeiro a atenção, que você correu pra varanda?Elizabeth Gabelo: Foi a quantidade de policiais que iam chegando, os carros, e eles descendo dos carros e o helicóptero. O policial tinha um megafone, dizendo para as pessoas saírem da rua, não ficarem na rua. As lojas foram todas fechadas imediatamente. O que me chamou atenção foi a rapidez, a eficiência da polícia e a obediência do povo francês, porque eu como brasileira já ia querer perguntar o que que está acontecendo. A pedido da polícia, Elizabeth fechou a janela voltou para a sala. O resto dessa história, ela viu pela TV.
Agora, no horário local, são quase 17h de sexta feira. Do outro lado da cidade, os irmãos Kouachi saem da gráfica atirando. São mortos pela polícia. Quase ao mesmo tempo, policiais entram no supermercado, matam Coulibaly, parceiro dos irmãos, e libertam 15 pessoas. Mas, na ação, quatro reféns acabam morrendo. Segundo as autoridades francesas, assassinados pelo sequestrador antes da invasão policial. É o fim de três dias de horror em Paris, 17 inocentes mortos no total.
“A gente se sente inseguro. Nessa semana a gente tá muito inseguro aqui, mas eu penso que tudo isso vai se acalmar o mais rápido possível, e que a gente possa retomar uma vida normal”, diz Jucilaine.
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