G1 FANTÁSTICO Edição do dia 25/01/2015
Jornalista francesa se alista disfarçada no Estado Islâmico. Francesa mostra em documentário a rotina dos combatentes e como o grupo recruta jovens europeus para o terror. Uma jornalista francesa investigou e descobriu: homens que treinavam luta numa praça de Paris pertenciam ao grupo terrorista Estado Islâmico, que ficou conhecido por decapitar seus prisioneiros.
O documentário que o Fantástico exibiu é o resultado do trabalho corajoso dessa jornalista. Ela se disfarçou, conseguiu se alistar no Estado Islâmico e mostra como o grupo recruta jovens europeus para o terror.
Outubro do ano passado. Crianças brincam numa pracinha de Paris. Entre pais e policiais, um grupo de homens barbados treina técnicas de combate. Eles praticam mesmo à noite ou debaixo de chuva. Poderiam ser apenas atletas dedicados. Mas alguma coisa os faz diferentes. Depois de encerrarem o treino, eles rezam. E a conversa deles revela planos suspeitos.
Extremista1: Ele já foi para a Síria.
Extremista 2: Eu mesmo já fui duas vezes.
A Síria é o berço do Estado Islâmico, o exército terrorista mais agressivo hoje no Mundo. Os extremistas se aproveitaram do vazio de poder criado pela guerra civil e dominaram um terço do país, além de grandes áreas no Norte do Iraque, inclusive campos de petróleo que hoje são usados para financiar o terrorismo.
As ações do Estado Islâmico são difundidas na internet. Vídeos que mostram barbarismos. Assassinatos em massa. Alguns para provocar o Ocidente - como as decapitações de reféns. Outros para exibir a força do grupo.
E a internet também é um instrumento de recrutamento. Usada pelo grupo francês para atrair seguidores dispostos a partir para a Síria para fazer a Jihad, a Guerra Santa contra o Ocidente.
Um dos homens que treinava no parque é Abu Aissa. Ele publica fotos de suas ações, sempre com armamento pesado. Mostra até um passaporte do Estado Islâmico. O outro, Abu Abdel Malik, um francês que vive na Síria e, em vídeo, faz ameaças contra a França, dizendo que será alvo de novos atentados.
“Nós vamos vingar todo o sangue islâmico.”, diz Malik
A arrogância do Estado Islâmico está montada sobre um exército muito bem organizado, 30 mil homens com equipamento militar moderno: misseis, artilharia, tanques e três aviões caça. Tudo roubado da Síria. Cada combatente recebe um salário do Estado Islâmico. Alguns chegam a ganhar um carro. Uma tentação para os muçulmanos pobres das periferias de Paris. Os franceses são os mais numerosos entre os ocidentais que se integram ao Estado Islâmico.
A partir das páginas nas redes sociais, usando um perfil falso, uma jornalista francesa chegou aos recrutadores extremistas. Ela não será identificada por segurança.
Em três dias, a jornalista já estava associada a diversos grupos. E tinha 273 amigos. Principalmente combatentes na Síria e no Iraque. Um deles conta o dia a dia no Estado Islâmico. Ele chegou a publicar uma foto comemorando sua primeira vítima. Os terroristas exibem também uma vida de luxo: roupas, carros e mansões tomadas pelo grupo.
Para se aproximar dos jihadistas, a jornalista diz que está disposta a se casar com um radical quando chegar na Síria. Ela começa a conversar com Abu Tak Tak. Para se encontrar com ele, ela se vestiu com um chador, usada por alguma das mulheres muçulmanas: totalmente coberta de preto, como determina o costume do Islã. Num café da periferia de Paris, ela encontra o terrorista.
“Você está toda de preto. Eu adoro preto”, diz ele.
Abu Tak Tak tem 37 anos. Diz que nunca trabalhou. Ele conta que o Estado Islâmico paga as contas dele. “Eles me mantêm desativado por enquanto", diz.
Pronto para entrar em ação.
“A França tem medo de quê? De que a gente se exploda.”
Ele acredita que a França merece ser alvo de um atentado. Exatamente o que aconteceu no dia 7 de janeiro, quando outro grupo terrorista, a Al-Qaeda do Iêmen, matou 12 pessoas no atentado contra a revista Charlie Hebdo.
Um segundo homem fez contato com a jornalista. Esse já estava na Síria. É um combatente ativo do Estado islâmico. Ele faz uma proposta curiosa: casar-se com ela pela internet com as bênçãos de um imã, um líder religioso. Ela faz contato com o jihadista, que explica o que ela deve fazer: “Vá para Istambul, na Turquia. De lá eu direi o que deve fazer”.
Depois de muitos contatos como esses, a jornalista chegou ao homem que é o líder dos recrutadores para o Estado Islâmico na França: Aba Souleyman. Na página dele na internet, um manual de como atravessar a fronteira da Turquia com a Síria sem chamar a atenção da polícia. Por exemplo, levar pouca bagagem, pois a travessia é feita a pé.
Aba Souleyman tem 25 anos e é casado, mas propõe à jornalista que ela seja a segunda mulher dele na Síria. Ele indica uma mesquita secreta numa cidade no Leste da França, base de operações para os recrutadores do Estado Islâmico. Um deles é Nicolas, que no elevador faz uma revelação aterrorizante: “Em Paris, nós somos muitos”.
Numa das salas, as paredes estão cobertas de bandeiras do Estado Islâmico.
Ele conta que participou de uma ação do grupo numa cidade curda, no Norte do Iraque: "Matamos as mulheres cortando as gargantas”.
Nicolas não nasceu numa família muçulmana. Ele se converteu ao islã há três anos. E diz que vai partir para a Síria em duas semanas. A jornalista parte para a Turquia, o corredor mais comum para os recrutados europeus chegarem à Síria.
São apenas três horas e meia de voo entre Paris e Istambul. E um segundo voo para a cidade turca de Gazientep, próxima à fronteira. No hotel, ela entra em contato com os recrutadores que passam para ela os telefones dos homens que atravessam pessoas pela fronteira.
Do outro lado dessa cerca, é a Síria. A travessia termina na cidade síria de Raqqa, capital do Estado Islâmico. Duzentas mil pessoas vivem sob o domínio do Estado Islâmico desde junho de 2013. Em Raqqa, a jornalista gravou um desfile militar do exército terrorista, tanques e mísseis passavam pela rua. No centro da cidade, um inimigo do regime foi crucificado. E três são fuzilados diante de todos.
Nas ruas da cidade, impera a lei islâmica, a Sharia. Homens fazem as orações no meio da rua, guardas do Estado Islâmico andam com fuzis nos ombros, mulheres caminham totalmente cobertas. Dois homens do Estado Islâmico chamam a atenção dela.
Estado Islâmico:Nós conseguimos ver através do seu véu.
Jornalista: Desculpe, ele é um pouco transparente.
Estado Islâmico: Você precisa se cobrir melhor.
Jornalista: Certo, certo, desculpe.
Num cybercafé, a jornalista encontra diversas mulheres francesas conversando pela internet com suas famílias na França.
“Eu não vou voltar, mãe! Eu me arrisquei para chegar aqui e não vou voltar. O que a senhora vê na televisão é falso”, diz uma delas.
Daqui, os homens vão direto para os campos de treinamento do grupo. Nesses campos secretos, os ocidentais ganham uma nova identidade. Geralmente adotam um nome muçulmano. Foi o que aconteceu com o filho da brasileira Rosana Rodrigues. Brian de Mulder, agora é conhecido como Abu Qassem Brazili, ou Abu Qassem Brasileiro.
Outro brasileiro, Kaíque Guimarães, que morava na Espanha, foi detido na Bulgária, tentando chegar até os campos do Estado Islâmico. Nesses lugares, os jihadistas são endurecidos no combate e viram máquinas de guerra.
Todas as semanas, dezenas de jovens europeus fazem esse mesmo caminho para engrossar as colunas do Estado Islâmico. E virar soldados de uma guerra dita santa, que distorce os princípios da religião islâmica e se torna retrato da barbárie e da ignorância.
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