ZERO OHORA 17 de janeiro de 2016 | N° 18417
EDSON PASSETTI*
Atentados provam que o Estado Islâmico sabe provocar em seus alvos reações que aumentam o número dos seus guerreiros voluntáriosPrevisto por analistas, comentaristas e, principalmente, pelas agências de inteligência, mais um evento terrorista do Estado Islâmico (EI) ocorreu na noite de 13 de novembro de 2015, novamente em Paris. Homens-mártires atiraram para matar pessoas dentro e fora de espaços de entretenimento.
Para o EI, nada de pensamento livre e crítico como o do Charlie Hebdo; nada de costumes ocidentais de lazer, turismo, ou outra religião, Estado etc e tal. Ele forçou o governo francês a decretar o estado de emergência; tentou inibir a presença europeia na guerra declarada contra si no Iraque e na Síria; provocou, acoplado à derrubada de avião russo pela Turquia, o vazamento de informação de que esta seria a maior compradora do petróleo sob sua gestão; fez irradiar uma campanha ocidental intensa contra o recrutamento de jovens europeus por meio de redes sociais; colocou em xeque as medidas de integração promovidas pela Bélgica; avolumou as suspeitas sobre os refugiados que desembarcam nas praias gregas; provocou o reaparecimento de práticas de Estado do nazismo no controle e translado de refugiados; calou os moderados islâmicos pacifistas.
O EI pretende instituir seu califado unificador e para tal produz efeitos em fluxos a partir de suas investidas estratégicas pelo terror no ocidente. Dissemina o medo, fomenta a guerra, anula diplomacias e despreza a democracia. Sua conduta também acende imprescindíveis ligações diplomáticas em blocos que opõem adversários de velhos tempos como Rússia e Estados Unidos (aproximados como sempre de Inglaterra e... França), além de almejar submeter os xiitas. Trata-se, enfim, de uma religião cindida politicamente.
É um grupo que sabe o que quer e como jogar com as forças organizadas. Deseja levar ao limite as novas tecnologias de combate e, ao mesmo tempo, glorificar seus mártires para instituir uma religião exclusiva. Tem seu exército recrutado de variados modos, mas no principal não se diferencia das forças armadas dos demais Estados. O EI, com sua presença terrorista em 13 de novembro, moveu os jovens franceses a se alistarem nas suas forças armadas. Evidenciou-se com isso que os Estados, sob qualquer regime, estão organizados para guerras, precisam de guerras para manter suas respectivas seguranças, e contam para tal com a adesão da grande maioria da população. Enfim, EI e seus Estados inimigos se equivalem.
As elites ocidentais estão interessadas em fraternidade, o terceiro vértice do triângulo equilátero herdeiro da Revolução Francesa, e contam com o pacifismo islâmico para levá-lo a resplandecer. O planeta cada vez mais governado para a democracia de inspiração estadunidense se mantém na rota da boa governança com sua gestão transterritorial afiançada pelo Conselho de Segurança da ONU, forças empresariais, sociedades civis organizadas e parlamentos conectando esforços para a realização do desenvolvimento sustentável até 2030, com ou sem EI.
As resistências em Kobane, até agora, por meio da ação direta, eram as únicas a conter a proximidade e ocupação de área pelo EI. Porém, em 21 de julho de 2015, em represália, o EI realizou o atentado no Parque Cultural Amara, em Sirouç, na fronteira entre Turquia e Síria próxima a Kobane, matando cerca de 30 pessoas. Mais tarde, no final de dezembro, o Iraque, com apoio dos Estados Unidos, retomou Ramadi. Se o EI passou a ter complicadores para suas ambições no combate a seus opositores, isso não reduziu a adesão de mártires e mantiveram-se as táticas inesperadamente previsíveis. O EI, simultaneamente, põe em xeque o monitoramento inteligente atual e colabora para seu incremento, pois a obsessão por segurança atinge a quase todos.
Na Europa, assim como nos Estados Unidos, tudo depende do eficiente monitoramento de pessoas, grupos inimigos, infiltrados, áreas de circulação, controles aéreos, alvos bem delimitados para efeitos de bombas para a boa gestão dos combates ao inimigo declarado. Mas como essa é uma guerra nada convencional, ela produz estados de violências quase incontroláveis, porque o EI é capaz de espantar a qualquer momento. Na manhã de 12 de janeiro de 2016, no bairro turístico de Sultanahmet, próximo à Mesquita Azul, em Istambul, na ambígua Turquia, sucedeu uma terceira ofensiva com mortos – depois de Surouç e do atentado de 10 de outubro próximo à estação de trem de Ancara, durante manifestação pró-criação do Curdistão, deixando outros 97 mortos.
Imagina-se que as redes de segurança transterritoriais estejam mapeando possíveis outras miras do E.I.. Enquanto isso, as populações temerosas clamam por mais segurança e, a seu modo, proporcionam o crescimento dos monitoramentos estatais assim como de forças fascistas, institucionalizadas ou não nos parlamentos. O EI explicita como a Al Qaeda introduziu um programa de expansão fundamentalista islâmica e que ele sabe, pelo menos até agora, como produzir variadas interfaces tornando difícil sua contenção. Talvez busque, no futuro próximo, uma medida drástica em termos políticos e ambientais. A derrubada do tirano sírio, nesse contexto, não passa de um chiste para a governança planetária. Não há nada de novo no front.
Professor no Departamento de Política e no Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC-SP*
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