O Estado de S.Paulo 07 Outubro 2014 | 02h 05
EDITORIALAo longo dos últimos dias, dezenas de milhares de cidadãos de Hong Kong saíram às ruas para defender eleições livres, pois havia sido essa a promessa da China quando o país recuperou a soberania sobre a ex-colônia britânica, em 1997. As manifestações foram deflagradas pelo anúncio chinês segundo o qual, na primeira eleição direta para o principal cargo executivo no território, prevista para 2017, os candidatos só poderiam ser aqueles selecionados por um comitê cujo objetivo é defender os interesses de Pequim. Com isso, a fórmula "um país, dois sistemas", fruto do compromisso da China de preservar as liberdades democráticas em Hong Kong, parece ter se tornado um slogan vazio.
Diante do crescimento da insatisfação em Hong Kong, com o aumento dos bloqueios nas ruas e em prédios públicos e discursos cada vez mais inflamados, houve o temor de que uma eventual repressão chinesa pudesse repetir o trágico desfecho da Praça da Paz Celestial - um impressionante massacre de civis que, 25 anos depois, continua a ser o símbolo da disposição das autoridades comunistas chinesas para defender o regime contra as tentações democráticas. Esse risco parece afastado, mais em razão do temor dos manifestantes, que aparentemente começaram a desmobilizar-se, do que de Pequim, que advertiu seguidas vezes sobre as consequências da desobediência.
A "revolução do guarda-chuva" - como ficaram conhecidos os protestos, em razão do uso de guarda-chuvas por parte dos manifestantes - parecia ser uma batalha perdida desde o princípio, dado o desequilíbrio de forças e o histórico de violência da China contra qualquer forma de dissidência. Mesmo assim, a simples menção à possibilidade de algum diálogo, conforme acenaram tanto o atual governo de Hong Kong quanto o de Pequim, está sendo considerada uma vitória pelo movimento, embora muitos vejam esse gesto apenas como uma forma de ganhar tempo para que, sem o mesmo ímpeto, o protesto perca força - como, efetivamente, aconteceu.
Na prática, não parece haver nenhuma possibilidade, num futuro previsível, de a China recuar de sua determinação de impedir que Hong Kong possa ir além das liberdades de que já dispõe, como a de imprensa e a de reunião. Não deve passar pela cabeça de nenhum dirigente chinês aceitar que Hong Kong seja governado por alguém que não esteja perfeitamente alinhado com o regime. Pode-se falar em discussão sobre alguma forma de reforma política, como Pequim deu a entender, mas, salvo alguma improvável reviravolta, será uma reforma cosmética, apenas para aplacar os ânimos dos defensores da democracia em Hong Kong - cujos moradores, nesta segunda-feira, já retomavam sua rotina no território, um dos centros financeiros globais.
Os porta-vozes da "revolução do guarda-chuva", a maioria estudantes, insistem em que o fim do atual movimento não significa o fim de suas aspirações. Nas entrevistas à imprensa estrangeira, procuram transmitir a confiança de que algo ainda pode mudar em Hong Kong. O fato, no entanto, é que os líderes dos protestos, adotando uma estratégia um pouco mais realista, já começam a pensar em maneiras de influenciar a composição do comitê que escolherá os candidatos para disputar as eleições no território.
O esvaziamento da "revolução do guarda-chuva", no entanto, não é capaz de diminuir a importância do movimento, em especial ao se revelar que sua principal liderança é um adolescente de 17 anos. Joshua Wong, que por sua idade nem votar pode, foi um dos responsáveis por levar 100 mil moradores às ruas para protestar contra o autoritarismo chinês.
"Meus professores sempre me disseram que minha única força está no que eu tenho a falar. E eu falo muito rápido", disse Wong, que recusa o rótulo de modelo ou de herói, obtido depois de ter sido preso por 40 horas: "O herói do movimento é cada cidadão de Hong Kong".
É o tipo do dissidente que, por seu vigor juvenil e apelo midiático, é o pesadelo de todo regime ditatorial, até mesmo para aqueles que não hesitam em esmagar seus mais frágeis opositores.
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