ZH 5 de outubro de 2014 | N° 17943
LÉO GERCHMANN
APELO NO EXTREMO ORIENTE
PEDIDO POR DEMOCRACIA faz com que estudantes liderem protestos contra governo chinês, que mantém um sistema liberal na economia do território que até 1997 era britânico. A região é considerada ponto de encontro entre Oriente e Ocidente. Representa o futuro em contraposição à tradição chinesa. Analistas veem impasseA primavera apareceu de forma metafórica três anos atrás em países árabes cujos habitantes pediam liberdade. Agora, aporta também metaforicamente no centro financeiro do Extremo Oriente, quando a estação é o outono e sob o peculiar símbolo do guarda- chuva. Mais precisamente, a onda rebelde chega à região onde Oriente e Ocidente se encontram, onde o passado mira o futuro, local que recebeu o epiteto de “tigre asiático”, tal a pujança do crescimento meteórico. Historicamente subjugada, Hong Kong experimenta liberdades inexistentes para outros chineses, mas tenta pôr no passado o domínio britânico que se estendeu até 1997 e a subserviência atual, à China. Manifestantes locais desafiam o governo chinês por liberdades políticas. O uso de spray pimenta e gás lacrimogêneo provocou indignação. E o emprego de guarda-chuvas, como defesa e proteção ao sol, levou a rebelião a ganhar o inspirado nome de “revolução dos guarda-chuvas”.
A China anunciou a eleição do governante de Hong Kong para 2017. Ponderou, porém, que o sufrágio resultará em lista tríplice a ser apreciada por Pequim. Para os ativistas pró-democracia, a restrição é inaceitável. Quando Hong Kong se reintegrou à China, após séculos como colônia britânica, o Comitê Permanente do Partido Comunista Chinês se comprometera a realizar eleições – sem citar limitações.
– Regiões administrativas como Hong Kong e Macau não têm noção de unidade com os países aos quais estão submetidos. Em Hong Kong, que não se sente parte da China, os costumes são ocidentalizados. Ali, encontram-se o Oriente e o Ocidente – analisa Paulo Watanabe, especialista do programa de pós-graduação San Tiago Dantas.
A vanguarda dos protestos é estudantil, mas a organização Occupy Central os ampliou. Preocupado com a dimensão do movimento, o governo chinês censurou redes sociais. Teme uma das maiores ameaças ao Partido Comunista desde a sangrenta repressão contra estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989. E um dilema se impõe: reprimir pode abalar a confiança em Hong Kong, cidade orientada para o mercado financeiro. Mas não reagir pode atiçar estudantes da China a imitar os hongcongueses.
No domingo passado e na madrugada de segunda, a revolta chegou ao ápice. A polícia usou gás lacrimogêneo e spray de pimenta, provocando cenas estranhas às ruas de Hong Kong. Dezenas de milhares de pessoas se concentraram no bairro Admiralty, núcleo econômico e financeiro próximo da sede do governo. Mais de 200 linhas de ônibus foram suspensas ou desviadas, e estações de metrô permaneceram fechadas, assim como algumas escolas.
O professor Gilmar Masiero, do Programa de Estudos Asiáticos da Universidade de São Paulo (USP), compara as manifestações hongconguesas com as ocorridas mundo afora, incluindo as do Brasil.
– As democracias representativas vêm sendo desafiadas por anseios e demandas de democracia direta. Não me parece que a herança britânica tenha muito a ver com as manifestações em curso como não tiveram quando das manifestações em Tianamen (Praça da Paz Celestial, onde foram mortas centenas de pessoas) há 25 anos – diz Masiero, para completar.
– Nestas duas décadas e meia, a China modernizou e materialmente melhorou muito as condições de vida de sua população, que cada vez mais aumenta suas demandas sociais e políticas de forma não muito diferente do que os chineses de Honk Kong fazem agora. A maior ou menor riqueza das pessoas ou de aglomerados urbanos não diminui, mas aumenta as demandas de sua autonomia e não ingerência.
EPISÓDIO PROVOCOU REAÇÃO BRITÂNICAAngelo Segrillo, coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP, identifica uma ambiguidade:
– Hong-Kong ter sido território britânico significa que não tinha democracia, já que era colônia britânica. Como colônia, os honcongueses não podiam eleger seus governantes livremente, sendo governados por um representante apontado pela Inglaterra. Por isso, a herança britânica é ambígua. Ironicamente, foi com a volta à China que os hongcongueses adquiram o direito de eleger seus governantes.
A situação, de qualquer forma, provocou reações. A Grã-Bretanha solicitou que seu embaixador na China lhe explicasse o que ocorre. Os Estados Unidos pediram que as autoridades de Hong Kong tenham “moderação” diante das manifestações. Taiwan se pôs ao lado dos manifestantes.
O historiador Paulo Visentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vê pontos de contato com a revolta ucraniana, que nasceu da rejeição à Rússia e do apelo a aderir à União Europeia.
– Os manifestantes são de classe média (estudantes universitários), ocidentalizados e, algumas, com cidadania britânica. Parece algo semelhante ao caso ucraniano, durante o aniversário da fundação da República Popular da China (para ter visibilidade). Nunca aceitaram deixar de ser parte do império – diz.
O peso da economia nas manifestaçõesA “revolução dos guarda-chuvas” começa a pesar na economia de Hong Kong e ameaça o status de praça financeira internacional caso haja crescimento da violência. Interrupção do transporte público, fechamento de agências bancárias e suspensão de viagens de negócios são efeitos das manifestações.
Se os protestos se prolongarem, “o turismo e o comércio, que em conjunto representam 10% do Produto Interno Bruto do país, serão muito afetados”, disse Gareth Leather, da consultoria Capital Economics, para quem Hong Kong pode sofrer uma recessão.
O historiador Paulo Visentini acredita que a economia acabará preponderando sobre a política. Isso faria os ânimos amainarem.
– No final, os ganhos econômicos falarão mais alto do que a política. A China necessita de Hong Kong como um caminho de acesso ao capitalismo global (bolsa de valores, serviços, logística) e interfere apenas na política externa. Não deseja mudar Hong Kong. Pelo contrário. Quer manter o sistema que sempre existiu – diz. – Os trabalhadores das indústrias e comércio querem manter o emprego e a prosperidade que possuem e pouco se importam com política.
ONDE O ORIENTE ENCONTRA O OCIDENTE |
-Os manifestantes exigem que Pequim suspenda as restrições ao sufrágio universal em Hong Kong, um território que goza de mais liberdades políticas que o restante do país, como a de expressão e a de manifestação. |
- A China governa Hong Kong sob a fórmula “um país, dois sistemas”. Londres cedeu Hong Kong à China, em 1997, sob essa condição. A China, comunista, preservaria o capitalismo e os costumes da antiga colônia. |
- Em 1982, China e Grã-Bretanha iniciaram conversações. Acordo assinado em 1984, em Pequim, determinou: a China tomaria conta do território a partir de 1º de Julho de 1997. |
- Hong Kong é uma das duas regiões administrativas especiais (RAE) da República Popular da China. A outra é Macau. Situa- se na costa sul do país, delimitada pelo Rio das Pérolas e pelo Mar da China Meridional. |
- Os cartões postais da metrópole remetem invariavelmente à imagem de um horizonte repleto de arranha-céus e por seu profundo e concorridíssimo porto natural. É considerado o centro financeiro do extremo oriente. |
- Pequeno território e falta de espaço causaram forte demanda por construções altas, o que desenvolveu a cidade como um centro para a arquitetura moderna e a tornou uma das mais verticais do planeta. |
- Hong Kong tem área de 1.104 km² e população de 7 milhões de pessoas. É uma das áreas mais densamente povoadas do mundo. A população é composta por 95% de pessoas de etnia chinesa (de maioria han). |
- A região se tornou colônia do Império Britânico após a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842). Originalmente confinadas à Ilha de Hong Kong, as fronteiras da colônia foram estendidas com o passar do tempo. |
- Foi ocupada pelo Império do Japão durante a Guerra do Pacífico, na primeira metade da década de 1940, depois da qual o controle britânico foi retomado até 1997. |
-Hoje, o chefe do Executivo de Hong Kong é escolhido em comitê formado por pessoas leais a Pequim. O atual dirigente, Leung Chun-ying, foi eleito em 2012 com 689 votos de apenas 1,2 mil eleitores. Os habitantes da região, acostumados a uma vida ocidentalizada, querem muito mais que isso. |
- Durante a era colonial, a influência britânica foi intensa. Por isso, Hong Kong se tornou o lugar onde “o Oriente encontra o Ocidente”, como se diz. O sistema econômico era liberal, e a educação marcadamente britânica. |
- Com um dos principais centros financeiros internacionais, Hong Kong tem economia marcadamente capitalista, com baixos impostos e livre comércio. A moeda é o dólar de Hong Kong, a oitava mais negociada no mundo. |
- Um dos mais altos PIBs per capita do mundo, Hong Kong se situa bem nas classificações internacionais, como liberdade econômica para os investidores, alta qualidade de vida, percepção de corrupção baixa e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto. Padrão desenvolvido, portanto. |
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