NÃO PODEMOS OBRIGAR UM JUIZ A TRABALHAR POR OUTRO
Justiça

NÃO PODEMOS OBRIGAR UM JUIZ A TRABALHAR POR OUTRO


Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2011

No ano em que completou 30 anos de magistratura, o desembargador Ivan Ricardo Garísio Sartori alcançou o cargo mais alto do Judiciário paulista. Contrariando a expectativa geral que dava como certa a vitória do atual presidente José Roberto Bedran, foi eleito presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Com posse marcada para a próxima segunda-feira (2/1) Sartori já tem planos para seus dois anos à frente do maior tribunal do país. "Faz tempo que venho me preparando para assumir esta responsabilidade", diz. Adianta que servidores e juízes de primeira instância figuram entre as prioridades da sua gestão.

Reconhece como positiva a administração de seu antecessor, mas informa que procurará medidas alternativas à Resolução 542 que determinou a distribuição de processos dos desembargadores que estavam em atraso para aqueles que estavam em dia com o seu trabalho. Aprovada em março de 2011 pelo Órgão Especial do Tribunal, a Resolução 542 permitiu que o Tribunal cumprisse a Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça, que previa o julgamento de todos os recursos ingressados até dezembro de 2006. Mas sua aplicação acabou provocando grande comoção interna entre os quase 400 intregrantes da corte.

“Não podemos obrigar os desembargadores que estão em dia com seus processos a fazer o trabalho dos outros, seja qual for o motivo pelo qual este outro está com trabalho acumulado. Não pretendo fazer a revogação imediata da resolução, mas não vou utilizá-la, por enquanto”, esclarece o novo presidente.

Na magistratura desde os 23 anos, Sartori chega à Presidência doze dias antes de completar 54 anos. Já havia tentado chegar ao cargo há quatro anos, mas foi barrado pela aplicação da Lei Orgânica da Magistratura que determina a antiguidade como critério de elegibilidade para a direção dos tribunais. Mesmo ainda ocupando a 137ª posição na escala dos mais antigos do tribunal, conseguiu derrotar o quarto do ranking de antiguidade e teve sua eleição confirmada pelo CNJ.

O presidente eleito defende a conversa como palavra de ordem em sua gestão. Pretende estreitar a relação do Judiciário com os outros poderes para facilitar a negociação do orçamento do tribunal e espera ter uma relação amistosa com o Conselho Nacional de Justiça, sem abrir mão da autonomia do TJ. Procura também pacificar e agregar os grupos que fazem a política interna do tribunal.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, nesta terça-feira (27/12), Sartori defendeu a decisão que limitou atuação do CNJ: “O Poder do CNJ não foi diminuído. Foi colocado nos devidos termos”. A O Estado de S. Paulo, também em entrevista publicada nesta terça-feira, Sartori declarou que o CNJ age como a ditadura. “Existem regras legais, o processo tem que seguir seus trâmites. Qualquer réu, por mais sanguinário que seja, tem direito a defesa”.

Promovido por merecimento ao Tribunal de Alçada Criminal, passou a desembargador em 2005, por força da Emenda Constitucional 45, a Reforma do Judiciário. TEm assento na 13ª Câmara de Direito Público, que presidiu por três vezes. Integrou o Órgão Especial e a Comissão de Reforma do Regimento Interno do TJ-SP.

Não faz mais o Blog do Sartori, seu canal na internet onde por algum tempo dava as notícias do que acontecia no tribunal e no Judiciário paulista. Mas promete revitalizar o site e todo o setor de comunicação do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Participaram da entrevista, ainda no gabinete que o desembargador ocupava no prédio do tribunal na Avenida Ipiranga, no Centro de São Paulo, os jornalistas Lílian Matsuura, Márcio Chaer e Maurício Cardoso.

Leia a entrevista:

ConJur — O resultado da eleição foi uma surpresa para o senhor?
Ivan Sartori — Não. Evidentemente que quando eu me inscrevi não sabia o que iria acontecer, mas com o passar do tempo vários colegas começaram a aderir à minha candidatura. Além disso, entendia que a permanência do presidente Roberto Bedran à frente do tribunal por apenas mais seis meses traria problemas de ordem administrativa e política. Segui minha consciência. Era meu dever me candidatar.

ConJur — O fato de a maioria dos desembargadores terem manifestado preferência pelo senhor, que não figura entre os mais antigos da corte, indica que os critérios utilizados para definir os candidatos à direção do Tribunal devem ser rediscutidos?
Ivan Sartori — Os critérios utilizados hoje são os que eu propus quando estava no Órgão Especial, ou seja, três candidatos para cada cargo, respeitando a ordem de antiguidade. Esta metodologia não desrespeita a antiguidade, pois basta que se inscrevam os mais antigos. O que é importante frisar é que não existe esta coisa do desembargador mais novo ser melhor que o mais velho para administrar o tribunal e vice-versa. Por isso, é importante a ampliação do leque de possíveis presidenciáveis, e que tenham efetivamente a condição de administrar o Tribunal, dando continuidade ao bom trabalho que venha a ser feito. Por isso, penso em criar a Comissão de Acompanhamento de Gestão.

ConJur — Qual o objetivo desta comissão?
Ivan Sartori — Atuar junto a possíveis presidenciáveis, desembargadores que tenham interesse em dar continuidade ao trabalho dos colegas, à frente do tribunal. Sabemos que demora uns seis meses para o presidente conhecer toda a realidade administrativa do tribunal. Eles vão acompanhar a gestão e por isso estarão mais preparados quando chegarem à Presidência. Não vão chegar aqui sem saber nada. Também poderemos detectar possíveis presidenciáveis, colegas que podem dar seqüência ao plano, ao planejamento que nós estamos traçando para recuperar o Judiciário.

ConJur — Como o senhor avalia a gestão do tribunal no período em que o Bedran esteve à frente dele?
Ivan Sartori — Positiva. Claro que ele não pôde fazer muita coisa porque o mandato foi curto, mas em linhas gerais foi positiva.

ConJur — Como está sendo realizada a transição da administração?
Ivan Sartori — O presidente Bedran abriu as portas para uma transição tranqüila. Tenho juízes assessores que estão tratando da questão com os juízes assessores e com a administração da atual Presidência. O presidente está fornecendo as informações necessárias e cooperando bastante.

ConJur — Já escalou seu estado maior? Quem será?
Ivan Sartori — Sim. Já escalei pelo menos os assessores da Presidência. Entre eles estão os juízes Guilherme de Macedo Soares, Rodrigo Capez e Márcio Kammer de Lima. O Núcleo de Conciliação vai ser dirigido pelo desembargador Vanderci Álvares.

ConJur — Qual a sua opinião sobre as metas do CNJ?
Ivan Sartori — Se por um lado precisamos cumprir as metas, por outro, os processos não devem ser tratados como pastel, porque por trás de cada processo há pessoas. Claro que não podemos, na atual situação dos tribunais, fazer votos longos, como se estes devessem ser uma aula de direito. Temos que ser mais céleres e objetivos. Mas acredito que a melhor saída para acabar com o estoque ainda sejam os mutirões.

ConJur — O senhor acredita que os mutirões podem acabar com o passivo?
Ivan Sartori — Mutirão ainda é a melhor alternativa. Podemos e devemos fazê-los. Inclusive, existe a possibilidade de criarmos Câmaras Extraordinárias. Isto já foi feito na Seção Criminal e reduziu bastante o volume processos, tanto que, hoje, a Seção praticamente não tem acervo.

ConJur — O que o senhor acha da Resolução 542, que distribuiu os processos dos desembargadores que não cumprem as metas entre aqueles que estão com o trabalho em dia?
Ivan Sartori — Não podemos obrigar os desembargadores que estão em dia com seus processos a fazer o trabalho dos outros, seja qual for o motivo pelo qual este outro está com trabalho acumulado. Até porque acredito que todos eles trabalham forte, a questão é que cada um tem um ritmo e um sistema de trabalho diferente. Não pretendo fazer a revogação imediata da resolução, mas não vou utilizá-la, por enquanto. Acho que há outros caminhos mais eficazes, inclusive que possam trazer a adesão dos colegas e fazer com que o tribunal possa produzir mais.

ConJur — E os desembargadores que não conseguem de forma alguma dar conta do estoque? O que fazer com eles?
Ivan Sartori — Tentaremos achar uma solução para o problema através da conversa. Às vezes a questão pode ser resolvida por meio de uma melhor administração do gabinete e queremos auxiliar os desembargadores neste sentido. Mas é preciso examinar caso a caso, sempre resguardando o nome do desembargador, porque não sabemos a razão pela qual o acervo de determinado gabinete está naquela situação. Agora, aqueles que efetivamente não produzem vão ser convidados a fazê-lo. Caso não o façam, evidentemente, teremos que tomar as providências necessárias. Mas acredito que os casos que cheguem a este ponto sejam excepcionais, porque nós sabemos que são poucos os colegas nesta situação.

ConJur — Falando em metas, como o senhor pretende se relacionar com o CNJ?
Ivan Sartori — Vamos respeitar o Conselho, mas também procurar resguardar a autonomia administrativa do tribunal. Estamos prontos para colaborar no que for da competência do CNJ. Pretendo visitar o presidente do Conselho, ministro Cezar Peluso, e a ministra corregedora, Eliana Calmon, para que possamos manter um relacionamento amistoso e de colaboração. Mas, insisto, respeitada a autonomia administrativa do tribunal.

ConJur — Qual o papel da Corregedoria Nacional de Justiça?
Ivan Sartori — Ela tem um papel importante que é investigar. Porém, nestas investigações, em um primeiro momento, precisam ser resguardados os nomes dos juízes, porque não se sabe o que vai acontecer depois. Agora, se houver comprovação de desvio de conduta, deve-se publicizar. É preciso ter cautela para não manchar indevidamente a honra de alguém. Pode até noticiar-se o que está sendo feito, mas com sigilo a respeito dos nomes.

ConJur — Um processo disciplinar pode começar no CNJ?
Ivan Sartori — Tem que se resguardar a competência das corregedorias locais, assim como pensa o ministro Peluso. O que não impede que o CNJ verifique se elas estão exercendo efetivamente essa competência. Se não estiver, o CNJ não só pode, como deve agir. O Conselho não deve invadir a competência das corregedorias locais e agir originalmente no processo, por que isso tira do juiz o direito de recorrer, garantido pela Constituição Federal que prevê o direito à ampla defesa.

ConJur — O orçamento do tribunal vem sendo sistematicamente cortado pelo Executivo. O que o senhor pretende fazer a respeito disso?
Ivan Sartori — Vamos conversar com o Executivo e com o Legislativo sobre o nosso orçamento. Vou tratar pessoalmente dessa questão. Claro que isso não impede os colegas de conversarem com os parlamentares sobre o tema, o que ajuda bastante, mas a questão será definida à mesa em que estará o presidente do tribunal, da Assembléia Legislativa e o governador. Eu percebo na Assembléia e por parte do governador vontade de cooperar com o Judiciário.

ConJur — A receita não acompanha o crescimento dos custos e o número de processos. Como o senhor pretende atacar esse problema?
Ivan Sartori — É preciso olhar para fora e ver o que está dando certo nos outros tribunais para que possamos implantar aqui. Algumas medidas tendem a diminuir o problema, como a transferência dos emolumentos e a retenção da taxa judiciária, que estão sendo discutidas na Assembléia Legislativa. Além disso, estudarei a possibilidade de obter recursos a partir da utilização dos espaços do tribunal, que são bastante requisitados para eventos. O ideal seria obtermos pelo menos 6% do valor do orçamento do estado. Sem renegociação. Por fim, otimizar os recursos que temos à disposição, por exemplo, por meio de realocação de pessoal. Do meu ponto de vista, existe um número maior de funcionários na área administrativa em detrimento da área judiciária. Iremos analisar esta questão.

ConJur — Haverá mudanças na gestão dos servidores?
Ivan Sartori — Quero focar a minha gestão nos funcionários e melhorar sobremaneira a situação deles, inclusive, para evitar esse êxodo que nós estamos vivendo no Judiciário, o que é um problema sério. Observaremos a questão do merecimento. Embora o Plano de Cargos e Carreiras que saiu da Assembléia Legislativa já disponha sobre isso, não é exatamente o que nós gostaríamos para o Judiciário. O plano poderia ser um pouco mais completo e adaptado à situação do Judiciário. Mas nós temos mecanismos internos para fazer a triagem do merecimento ou pagamentos de atrasados. Minha pretensão é pagar preferencialmente àqueles que realmente produzem e estão cumprindo com os seus deveres. Tentarei colocar este mecanismo como uma política de gestão em que os melhores funcionários terão prioridade no recebimento de salários, licença-prêmio, etc.

ConJur — Qual o motivo deste êxodo? Eles estão sendo mal remunerados?
Ivan Sartori — Aqui não existe possibilidade de progressão na carreira. O Plano de Cargos e Carreiras foi muito tênue e muito pífio. Os vencimentos estão defasados se compararmos com os dos outros tribunais, e até mesmo com outros ramos e carreiras equivalentes do Executivo. Temos uma defasagem muito grande.

ConJur — Isso dificulta o trabalho dos desembargadores?
Ivan Sartori — Bastante. O funcionário faz parte da estrutura oferecida ao juiz, o que é muito importante. Aliás, é preciso dar estrutura que possibilite vazão ao trabalho de juiz. Não adianta os juízes julgarem milhares de processos, e o julgado ficar parado no cartório. Este é um ponto que certamente atacaremos.

ConJur — Como o senhor pretende solucionar este problema estrutural?
Ivan Sartori — Primeiro, e prioritariamente, precisamos recuperar a estrutura existente antes de criar uma nova unidade judiciária. Claro que podem surgir aquelas urgentes e que efetivamente precisaremos criar, mas a princípio não criaremos mais varas. Há colegas trabalhando em meio a escombros, não tivemos informatização completa e os juízes não têm assistentes jurídicos. Estas questões precisam ser resolvidas imediatamente.

ConJur — O senhor vai montar uma equipe para ir visitar as varas e saber qual a situação delas?
Ivan Sartori — Vai ter uma equipe para visitar as varas, mas já estamos conversando sobre isso. Já estou me reunindo com os desembargadores para conversar, colher conselhos, ponderações e idéias. Saber a situação das varas. Muitos magistrados têm boas ponderações, aproveitáveis e importantes. A pretensão é que estas reuniões sejam permanentes e ocorram a cada três meses. Além disso, teremos um canal direto para os funcionários, outro para juízes, e outro para desembargadores. Uma pessoa só não pode fazer tudo sozinho. Estaremos abertos a escutar os colegas.

ConJur — Como está o tribunal em termos de informatização?
Ivan Sartori — Tivemos um problema muito sério com uma fusão não planejada e caótica dos tribunais de alçada. Isso foi gravíssimo e nos atrapalhou muito. Esta fusão abrupta e sem nenhum planejamento fez com que ficássemos com quatro ou cinco linguagens de informática diferentes. Criamos uma Torre de Babel e estamos sofrendo com isso até hoje. Se bem que hoje já dispomos de um programa que permite a nivelação destas linguagens.

ConJur — É verdade que para cada salário, o desembargador faz jus a outro de atrasados?
Ivan Sartori — Não faz jus a outro salário. O que existe é uma pendência tanto para magistrados quanto para funcionários que não foi paga. Férias e uma série de valores que outros tribunais já pagaram, e nós não recebemos. Nos tribunais federais estes valores foram pagos de uma só vez, mas o estado não tem condição de pagar tudo de uma vez. Então, nós estamos recebendo de forma fracionada. Mas não é uma parcela significativa.

ConJur — Como o senhor pretende se relacionar com a imprensa?
Ivan Sartori — Pretendo ampliar a relação com a imprensa. Inclusive trazendo-a para o tribunal. Vou criar uma sala para que a imprensa possa desenvolver seu trabalho da melhor forma possível. A imprensa notícia muitas coisas ruins sobre o Judiciário, mas aqui há muita coisa boa que precisa ser mostrada, como o Núcleo de Conciliação e o de Planejamento. O Judiciário não é aquele quadro negro que pintam.

ConJur — Qual a sua política para a primeira instância?
Ivan Sartori — A primeira instância precisa ser prioridade. Precisamos melhorar as condições de trabalho dos juízes. Pretendo criar cargos de assistentes jurídicos e recuperar a estrutura dos prédios, por meio da Secretaria de Justiça. Para isso, veremos quais os edifícios estão em piores condições e começar por eles. Depois seguiremos para os demais de forma gradativa para que cheguemos a uma condição de trabalho adequada para o juiz. Precisamos pelo menos minimizar a situação existente hoje. Acredito que nas próximas administrações a gente consiga quitar esse passivo estrutural.



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