NÃO É POSSÍVEL DECRETAR PRISÃO POR CLAMOR PÚBLICO
Justiça

NÃO É POSSÍVEL DECRETAR PRISÃO POR CLAMOR PÚBLICO


ZERO HORA 07 de outubro de 2012 | N° 17215
 
 ENTREVISTA


Mauro Caum Gonçalves, juiz que libertou suspeitos de balear pediatra


Alvo de críticas por ter libertado dois suspeitos de terem atirado em uma mulher em tentativa de roubo de carro, em Porto Alegre, Mauro Caum Gonçalves, 50 anos, se define como um juiz rigoroso. Ao sustentar que decidiu baseado na lei, diz que o magistrado não pode ser um “ator da segurança pública” nem se curvar ao clamor social. Abaixo, leia trechos da entrevista de Gonçalves, 23 anos de magistratura, a ZH:

Zero Hora – Como o senhor recebe as reações a sua decisão?

Mauro Caum Gonçalves – O juiz não está livre de que sua decisão seja objeto de discordância e de sofrer crítica. O que não é razoável nem aceitável é que a crítica passe a ter a execração e ofensas. Quanto a pessoas se manifestarem, entendo que é um direito legítimo de o fazerem. Pondero que decidi fazendo uma interpretação da lei. E consta da minha fundamentação essa decisão.

ZH – Promotores e membros do Judiciário dizem que o senhor tem interpretação liberal da lei.
Gonçalves – Não sei o que se chama de interpretação liberal. Não me considero um juiz liberal, me considero um juiz muito rigoroso, sigo rigorosamente os termos da lei. Tanto que quando eu tenho que condenar, condeno. Quanto ao fato de o MP, que é parte no processo, estar insatisfeito com a decisão, é um direito que lhe assiste e compete a ele recorrer e não ir para a imprensa se queixar.

ZH – Um PM que participou das prisões também fez um desabafo no Facebook. O senhor leu?
Gonçalves – Não li, mas me parece que não é razoável que agentes públicos tenham esse tipo de comportamento, porque faz parte de nossas atividades, eventualmente, ter mudadas algumas de nossas decisões. Veja se eu não estando conforme com alguma decisão do Tribunal (de Justiça), fosse para as redes sociais criticá-lo? Isso não é correto.

ZH – O senhor diz que seguiu os termos da lei, mas ao mesmo tempo fala que fez uma interpretação. O que pesa mais: o que está escrito na lei ou a interpretação pessoal?
Gonçalves – Vai de cada pessoa. Existem várias correntes dentro do julgamento. Cito como exemplo um bastante marcante, o caso do Mensalão. No Supremo Tribunal Federal, o relator tem uma posição e o revisor, lendo o mesmo processo, interpretando a mesma lei, tem outra posição. Ou seja, isso vai da convicção pessoal, desde que o juiz o faça dando as razões. Todas as minhas decisões são fundamentadas. Agora, por que eu penso assim me parece que aí nós desbordaríamos para a inquisição. Não sei se é essa função dos meios de comunicação.

ZH – Mas pessoas têm questionado como um caso como o que está em discussão não é um crime considerado grave pelo juiz.
Gonçalves – Eu acho grave.

ZH – Não é grave o suficiente para manter os suspeitos presos?
Gonçalves – Mas não é essa a razão. Não havia pedido (de prisão) do Ministério Público.

ZH – O Ministério Público disse que o senhor não deu vista ao MP.

Gonçalves – O artigo 306 do Código de Processo Penal diz que a prisão deve ser comunicada ao MP. E por que é comunicada? Porque quando esse flagrante chegar, e ele entender que é caso de prisão, para que ele faça o pedido (de prisão) a que se refere o artigo 311 do CPP: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício se no curso da ação penal, ou a requerimento do MP, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”

ZH – Neste caso, então, mesmo o senhor considerando o crime grave não poderia decretar a prisão sem pedido do MP?

Gonçalves – Faço uma interpretação da lei que não. Caberia ao MP ficar atento aos flagrantes que chegam, já tendo sido comunicado pela polícia de que havia o flagrante sendo lavrado, tão logo chegue a juízo, fazer o pedido de decretação da prisão. É simples.

ZH – Se houvesse o pedido, o senhor teria decretado a prisão?
Gonçalves – Não posso me manifestar em abstrato. Não me lembro mais do caso. Naquela noite foram 14 flagrantes e em nenhum deles houve manifestação do MP requerendo prisão. Todos tinham sido comunicados pela autoridade policial ao MP. Naquela noite soltei outras pessoas que haviam assaltado pessoas pobres, e quanto a isso não há indignação popular. Nem quero imaginar que esteja havendo discussão elitizada. Não há previsão legal de dar vista ao MP. Quando o juiz recebe, já tem de receber com os pedidos, seja de defesa, seja do MP. E no caso, em alguns dos 14 flagrantes, havia pedido da defensoria pública. Sinal de que havia um defensor de plantão que teve o cuidado de já encaminhar com o auto de prisão em flagrante o pedido de concessão de liberdade.

ZH – O senhor quer dizer que a defensoria pública estava atenta e o Ministério Público não?

Gonçalves – Não posso avaliar o que ocorreu. Mas em nenhum momento demos vista à defensoria no serviço de plantão no fórum, assim como não foi dado ao MP, pois nós entendemos que a eles cabe estar atentos e fazer cada um o seu papel.

ZH – O MP fora comunicado do flagrante e o senhor o homologou.
Gonçalves – Exatamente, homologuei e isso não está sendo dito.

ZH – O senhor homologou porque todas as formalidades estavam atendidas, inclusive, a comunicação ao MP. É isso?

Gonçalves – Sim, tinha todas as formalidades, só não tinha um pedido de prisão. Então eu acho que a culpa (pela libertação dos suspeitos) não pode ser atribuída a mim.

ZH – Em casos semelhantes, com manifestação do MP de pedido de prisão e como o senhor considera esse tipo de crime grave, o senhor teria decretado a prisão?
Gonçalves – Temos de avaliar caso a caso. A princípio, só a gravidade do delito não é suficiente para decretar uma prisão preventiva.

ZH – O roubo de veículos, com mortes ou feridos, tem grande repercussão. O senhor avalia que a comoção social tem de ser levada em conta na decisão do juiz?
Gonçalves – Eu vejo o juiz como um garantidor, não como um dos atores da segurança pública. O juiz tem de garantir os direitos seja de quem for, do mais humilde ao mais rico. Merecem todos ter um juiz que esteja isento de pressões ou qualquer influência. Como não há previsão legal, entendo que não é possível decretar prisão pelo clamor público. Sendo legalista.

ZH – O senhor diz que o juiz tem de garantir direitos de todos. Sua decisão contribuiu para garantir os direitos da vítima?
Gonçalves – O juiz do processo penal deve garantir os direitos da pessoa sujeita ao processo. Isso não afasta que eu tenha sensibilidade e tenha compaixão. Minha preocupação também é com as vítimas, mas não posso, como juiz neutro, adotar uma ou outra posição. Tenho visto muita gente fazer o discurso fácil de proteção à vítima, mas elas próprias não fazem nada. E eu faço. Eu integro o movimento que visa à proteção das vítimas.

ZH – Decisões assim não contribuem para aumentar a sensação de insegurança e de impunidade?
Gonçalves – Não vejo dessa forma. Isso vai muito da repercussão que se dá a cada caso.

ZH – O MP designou um promotor específico para recorrer de suas decisões. Como o senhor vê isso?
Gonçalves – Vejo com tristeza, o próprio MP admitir que tem que colocar mais de um promotor para trabalhar com um juiz. É sinal de que um juiz trabalha o mesmo que dois, três promotores. Mas eles estão no papel deles, o de recorrer (das decisões).

ZH – O senhor não vê anormalidade nessa medida?
Gonçalves – Não. Quem tem de ver anormalidade é o Ministério Público.



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