ZERO HORA 7 de outubro de 2012 | N° 17215
CONTROVÉRSIA NO TRIBUNAL
A reação à decisão de um magistrado de libertar dois suspeitos de balear uma pediatra durante assalto em Porto Alegre trouxe à tona uma disputa que há meses vem colocando em trincheiras opostas representantes do Ministério Público e do Judiciário.
ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTAA controvertida decisão do juiz Mauro Caum Gonçalves, que libertou suspeitos de atacar a tiros uma pediatra, provocando repúdio no Estado, expôs uma guerra jurídica até então restrita aos tribunais.
O episódio fez emergir divergências que levaram o Ministério Público (MP), numa medida incomum, a direcionar energias para tentar conseguir a reforma de decisões de Gonçalves relacionadas à libertação de suspeitos de crimes graves, à rejeição de denúncias e à absolvição de réus. Em cinco meses, o MP entrou com 282 recursos no Tribunal de Justiça (TJ) do Estado referente a decisões do magistrado.
A batalha começou em abril. Depois de detectar que em cerca de um mês o juiz, titular da 2ª Vara Criminal do Fórum Central de Porto Alegre, havia soltado mais de 70 suspeitos de delitos, a cúpula do MP decidiu reforçar o trabalho junto à vara. A Corregedoria-geral do MP, por meio de portaria, designou um promotor para atuar exclusivamente na elaboração de recursos tendo como alvo decisões de Gonçalves.
A medida, segundo o MP, se fez necessária por causa do grande volume de ordens de soltura de suspeitos que aguardam julgamento. Entre oito varas criminais do Fórum Central, a sob comando de Gonçalves é a que tem o menor número de réus presos à espera de sentença. São sete, apenas. A recordista, a 11ª Vara Criminal, tem 68 réus. Desde junho, a missão de atacar as decisões de Gonçalves é do promotor Fabiano Dallazen, que acumula a tarefa com atuação na Promotoria Especializada Criminal.
– O MP tem uma postura atenta e respeita as decisões do Poder Judiciário. Quando, no entanto, elas não refletem a melhor aplicação da lei penal, principalmente, no que diz respeito à necessidade de assegurar a segurança, a vida e a integridade das pessoas, o MP vai recorrer até as últimas instâncias da Justiça – explica Dallazen.
Quanto à tão debatida presunção de inocência, que está prevista na legislação penal e foi um dos itens destacados na decisão de Gonçalves para soltar os dois suspeitos que balearam a pediatra ao tentar roubar o carro dela em frente ao Parque da Redenção, em Porto Alegre, o promotor explica:
– A presunção de inocência significa que não posso antecipar a pena antes do final do processo, não posso prendê-lo como pena. Mas posso sim prendê-lo se ele representa um perigo à sociedade, à ordem pública.
Lei faz réu virar “sua excelência”
Conforme o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, os tribunais superiores entendem que a prisão não pode ser decretada levando em conta apenas a gravidade do fato:
– A população fica chocada quando suspeitos ganham a liberdade, mas o juiz tem uma série de avaliações a fazer. A liberdade é a regra. Eu, falando como juiz criminal, levava em conta a gravidade, a repercussão do caso, os antecedentes e as provas para decretar a prisão. Costumo dizer que no Código Penal Brasileiro a sua excelência não é o juiz, é o réu, tamanha a quantidade de benefícios que se dá a ele. Isso precisa mudar. Hoje, o juiz tem de esgotar uma série de hipóteses de não prender para só depois poder dizer que prende.
A medida do MP visando a contestar as decisões de Gonçalves não repercute bem entre operadores do Direito. Miguel Seadi Junior, professor de direito e processo penal e coordenador regional da Defensoria Pública, afirma que o MP não pode exigir que o Judiciário sempre julgue conforme o desejo da acusação.
– A iniciativa do MP só demonstra que estão com promotores sobrando em seu quadro, tem gente a mais – critica.
Raciocínio semelhante tem o advogado Aury Lopes Junior, professor universitário, doutor em direito penal:
– Causa estranheza. É preciso respeitar a independência do juiz, que julga em cima da prova e da lei aplicável ao caso e os promotores têm direito de recorrer.
O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Pio Giovani Dresch, também evitou comentar a iniciativa do MP, pois entende que seria uma interferência na autonomia de um outro organismo. Procurado por Zero Hora, o presidente do Conselho de Comunicação Social do TJ, desembargador Túlio de Oliveira Martins, afirmou que não cabe ao tribunal comentar decisões administrativas do MP.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Um país aberto às benevolências é porta para ação de bandidos, rebeldes e justiceiros. Um país onde a justiça é fraca, as leis não são respeitadas e a desordem impera. Um país inclinado demais às benevolências premia e recompensa quem afronta a leis, os direitos das pessoas e a paz social. Um país que é liberal nos crimes menores jamais vai ser rigoroso nos crimes hediondos e chacinas. Um país onde as leis são desequilibradas e extravagantes na prática só penaliza e pune quem mais precisa delas.
Sempre defendi uma justiva, usando a espada da severidade e cumprindo a função precípua do Judiciário que é a aplicação coativa das leis. Não gosto de uma justiça mediadora, alternativa, benevolente, corporativa, centralizada, submissa ao poder político, descompromissada e distante das questões de ordem pública. E ainda tem outras mazelas que podem ser lidas no blog Mazelas do judiciário, comprovadas em notícias alí postadas. Mazelas que prejudicam a paz social, a jusitiça e o respeito às leis.
Entretanto, não posso deixar de entender que o juiz agiu conforme ditam os procedimentos defendidos pelo "ativismo alternativo" da justiça brasileira, salvaguardado por leis benevolentes e cheias de brechas (insegurança jurídica) que são elaboradas pelos nobres bem pagos e muito bem assessorados "representantes do povo" no Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República, no caso atual a nossa Presidente Dilma. A Lei da Impunidade (LEI 12.403/2011) é o maior exemplo deste "compradrio" que atende interesses de uma justiça morosa e do Executivo que não cumpre seus deveres na execução penal, com a devida conivência do Poder Legislativo, cuja função também é de fiscalizar os outros poderes, inclusive o Poder Judiciário. E ainda tem a Constituição "dita cidadã" que trava qualquer rigor nas leis inutilizando a Lei Seca, a Lei Maria da Penha, a Lei Ficha Limpa, entre outras que não aplicadas na justiça. A guerra jurídica é produto deste descaso legislativo, da desarmonia entre os Poderes (separados na prática e nos interesses) e da falta de compromissso destes Poderes de Estado para com a justiça, ordem pública, vida, emoções e patrimônio das pessoas.
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