JAQUELINE SORDI E KAMILA ALMEIDA
Projeto de lei enviado pela prefeitura da Capital à Câmara de Vereadores permite que fiscais municipais multem quem jogar lixo no chão. Especialistas debatem: é preciso uma lei para regular um aspecto tão simples do convívio nas cidades?
Dentro de alguns meses, o peso de jogar lixo nas ruas de Porto Alegre não será sentido só na consciência – também poderá recair sobre o bolso. Se for aprovado, o novo Código Municipal de Limpeza Urbana permitirá a agentes públicos multar em até R$ 4 mil quem descartar resíduos de forma incorreta.
Na prática, jogar um papel de bala no chão pode render multa de R$ 263,82. Quem não pagar fica impedido de tirar certidões municipais ou de participar de concursos.
A medida é semelhante ao programa carioca Lixo Zero, que, no final de agosto, passou a espalhar fiscais em 75 ruas do centro da Cidade Maravilhosa abordando e multando quem lançasse lixo no chão. Conforme a prefeitura do Rio, somente na primeira semana a ação reduziu em 34% a quantidade de sujeira.
De acordo com André Carús, diretor-geral do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto Alegre, a ideia do projeto é aumentar a conscientização sobre a importância do descarte correto. A lei prevê que 20% do montante arrecadado seja destinado para ações socioambientais:
– É um projeto para conciliar punição com educação e conscientização das pessoas – defende Carús.
A proposta deve ser votada pela Câmara até o final do ano. Se for aprovada, projetos de educação para o assunto serão ofertados à população, prevê o diretor-geral.
Para Ivaldo Gehlen, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), medidas como esta são importantes para padronizar comportamentos necessários ao bom convívio social.
– Nem para todos a educação é suficiente para que regras sejam respeitadas – afirma.
O especialista explica que o Brasil vive um momento em que a população não tem referências claras de comportamentos coletivos. Isso gera conflitos sociais:
– Estamos numa fase de transição, os limites do respeito ao espaço do outro ainda não são bem definidos.
Lei e punição contribuem para induzir um comportamento diferente entre os que não incorporaram ainda bons hábitos, o que melhoraria o convívio coletivo, pondera Gehlen.
A visão não é unânime. Punir os cidadãos por jogar lixo nas ruas é, para o urbanista Eber Pires Marzulo, professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Faculdade de Arquitetura da UFRGS e coordenador do Grupo de Pesquisa Identidade e Território, uma medida paliativa. Para ele, isso pode mascarar questões mais importantes sobre a poluição da capital gaúcha.
– Temos um conjunto de problemas associados à questão da limpeza urbana que dependem de políticas públicas adequadas – opina Marzulo.
Para o especialista, a falta do recolhimento adequado de resíduos e uma “distribuição irracional” das lixeiras e contêineres na Capital são alguns desses problemas que precisam de solução urgente. Somente depois de resolvidos, seria adequado penalizar quem joga lixo na rua.
– Me parece que jogar isso sob responsabilidade do indivíduo é um equívoco. Ele é punido por jogar o lixo no chão, mas às vezes precisa caminhar quilômetros para encontrar uma lixeira na rua – afirma.
A multa é, para Marzulo, uma ação que poderá causar um impacto visual nas regiões centrais da cidade. As ruas pareceriam mais limpas, mas o grande problema do descarte incorreto de resíduos não seria resolvido: o risco de alagamentos derivado do lixo urbano, que é bem maior nos bairros mais longe do Centro.
No Centro, bons...
Não fosse uma bagana tocar o chão a cada dois minutos nas duas horas em que a equipe de Zero Hora percorreu as ruas do Centro de Porto Alegre, poderia se dizer que o povo anda bem educado. Na manhã de ontem, as principais calçadas da região estavam limpas. Mais de 15 pessoas foram observadas com papéis nas mãos. Todas remanchavam com a folha entre os dedos, algumas dobravam, outras amassavam e, pasme, guardavam no bolso. Até os objetos mais óbvios de infração, como embalagens de chocolate, eram acomodados em sacolas, bolsas e latas de lixo.
Mas ainda são as crianças que dão os melhores exemplos. Na Rua Voluntários da Pátria, uma mulher segurava um panfleto e, com a mesma mão, conduzia uma criança de quatro anos. Como quem não quer nada, a mulher deixou o papel escapar rumo à calçada. No impulso, o menino agarrou o objeto. Eles não se falaram, nem se olharam. Seguiram rumo à Praça XV. E, se muitos fumantes não se preocupam com suas baganas, alguns trazem bons exemplos. Passava do meio-dia quando um senhor de paletó levantou do banco da praça onde pitava, apagou o cigarro no chão e o depositou na lixeira.
...e maus exemplos
É claro, nem tudo é positivo: em duas horas percorrendo o Centro, ZH flagrou 60 baganas de cigarro, uma latinha de refrigerante e uma carteira de cigarro lançadas ao chão. Na Voluntários da Pátria, apressada, uma mulher conversava com uma amiga ao sair de uma loja, quando pegou o último cigarro e descartou a carteira sem qualquer pudor, a sete passos de uma lixeira. O ato foi corrigido dois minutos depois, quando uma senhora de 60 anos se agachou, com dificuldades, e recolheu o objeto. Logo adiante, outra ação que, se aprovado o projeto, será contravenção. Reunidos numa praça, um grupo de jovens dava gargalhadas. Passada a euforia, se despediram e um deles largou discretamente uma lata de refrigerante rente a uma árvore – bem ao estilo do sujão da foto acima, que larga junto ao poste.
O DMLU calcula que haja 5,2 mil lixeiras espalhadas pela cidade. Na região central, não dá para reclamar de falta delas. É ao circular nos bairros que se nota o maior déficit. Na Rua Voltaire Pires, no bairro Santo Antônio, são apenas duas lixeiras em um quilômetro. No bairro Santana, os 800 metros da Rua Jacinto Gomes não dispõem de uma sequer.