Justiça
LIBERDADE E AUTORIDADES
DANIEL SARMENTO, promotor público federal e professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O GLOBO, 25/08/2011 às 18h40m
A imprensa noticiou a recente condenação criminal de jornalistas equatorianos por crime contra a honra supostamente cometido contra o presidente Rafael Corrêa. Apontou-se, com razão, que condenações dessa espécie ameaçam a liberdade de expressão e a própria democracia, que pressupõe, para o seu funcionamento, a existência de um ambiente de liberdade, no qual os cidadãos e a imprensa possam denunciar possíveis abusos dos governantes de plantão, criticando-os com veemência, sem o receio de se sujeitarem a ações penais ou ao pagamento de vultosas indenizações.
Em matéria de liberdade de expressão, o cenário nacional é muito melhor do que aquele que se desenha no Equador ou em outros Estados sul-americanos que rezam pela cartilha "bolivariana". Estas diferenças podem ser atribuídas a vários fatores, como a intensa proteção dada pela nossa Constituição às liberdades públicas, a maior vitalidade da nossa sociedade civil e a independência do Poder Judiciário brasileiro. Apesar disso, graves riscos e ameaças à liberdade de expressão ainda existem no nosso país. Um deles vem do tratamento dado aos crimes contra a honra no Código Penal brasileiro, que, nesta parte, foi redigido em 1941, no auge da ditadura Vargas.
O Código Penal prevê que a pena atribuída aos crimes contra a honra cometidos contra o presidente da República e chefe de governo estrangeiro, ou contra funcionário público em razão de suas funções, é um terço maior do que aquela estabelecida para o mesmo delito, quando praticado contra qualquer mortal. Além disso, no crime de calúnia - imputação falsa de fato definido como crime -, praticado contra o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, o legislador sequer admite que o acusado se defenda provando a veracidade do que dissera. Estas normas penais estão em absoluto descompasso com a Constituição de 88, e têm como efeito a inibição das críticas públicas voltadas contra determinadas autoridades.
No regime republicano, não há autoridade que esteja acima do bem e do mal. Pelo contrário, quanto maior o poder exercido por um agente público, mais protegida deve ser a liberdade do cidadão e da imprensa para criticá-lo. Afinal de contas, ele não cuida do que é seu, mas da "coisa pública". Discutir as ações dos agentes estatais é interesse de todo o público, que deve ter o mais amplo acesso a informações e a opiniões variadas sobre elas - inclusive as mais cáusticas e contundentes--, para que cada um possa formar livremente a própria opinião. Diante disso, um parâmetro essencial para equacionar os conflitos entre a liberdade de expressão e o direito à honra, adotado em todos os países democráticos, é o da natureza da pessoa atingida. Entende-se que, em se tratando de pessoas públicas, a proteção à honra deve ser menor, cedendo espaço ao exercício mais desinibido das liberdades de expressão e imprensa.
A legislação penal brasileira, neste ponto, está na contramão da Constituição e da democracia, pois adotou parâmetro diametralmente oposto. Passou da hora de corrigir esta excrescência. O Senado Federal está formando comissão para estudar a revisão do Código Penal. Este é um tema que a comissão deveria enfrentar. E o STF tem se revelado um ativo defensor da liberdade de expressão, proferindo, nos últimos anos, decisões históricas nesta área, como a que invalidou a lei de Imprensa da ditadura militar, a que afastou restrições ao humor nas eleições e a que liberou a chamada "Marcha da Maconha". Seria muito bom que a nossa Suprema Corte fosse provocada a se manifestar sobre este entulho autoritário contido no Código Penal.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O autor deste artigo esquece que temos uma Constituição corporativa e benevolente, que a nossa sociedade tem se mostrado impotente e tolerante e que o Poder Judiciário brasileiro não é totalmente independente, já que as cortes supremas se submetem às influências políticas-partidárias. O Código Penal é arcaico, os princípios que regem um regime republicano são violados impunemente e a liberdade de expressão tem sido amordaçada por decisões judiciais a serviço do poder político e financeiro - veja o exemplo do Jornal O Estado de São Paulo e dos vários jornalistas que foram processados e condenados, contrariando a afirmação do autor de que "o STF tem se revelado um ativo defensor da liberdade de expressão".
loading...
-
Censura Judicial E Liberdade De ExpressÃo Na Internet
PORTAL OS CONSTITUCIONALISTAS, 29.05.13 - Por Cláudio Colnago A Internet como rede mundial que liga pessoas através de computadores é um enorme potencializador do exercício de um dos direitos mais fundamentais para a consolidação do Estado...
-
Liberdade E Esquecimento
ZERO HORA 05 de junho de 2014 | N° 17819 ARTIGO Plínio Melgaré* A partir da demanda de um cidadão espanhol, o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu que as pessoas têm o direito a ser esquecidas. Esse direito, já reconhecido nos tribunais...
-
A ExpressÃo Da Liberdade
ZERO HORA 21 de janeiro de 2014 | N° 17680 ARTIGOS Luiz Paulo R. Germano* A Constituição Federal prevê, em diferentes artigos que compõem o seu texto, a liberdade de expressão como direito fundamental. E, de todos, possivelmente é a liberdade...
-
A Censura De Biografias
ZERO HORA 29 de abril de 2013 | N° 17417 EDITORIAIS A recente notificação extrajudicial feita pelo cantor Roberto Carlos à autora de um livro sobre a Jovem Guarda recoloca na ordem do dia o projeto de lei que prevê o fim da censura prévia para...
-
IndivÍduo X Sociedade
JUDITH BRITO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS (ANJ)- ZERO HORA 18/11/2011 Cada cidadão nasce sob a égide de um Estado nacional, o Leviatã – nem sempre benevolente. Nas sociedades modernas, há um consenso de que o sistema democrático...
Justiça