Justiça
FICHA LIMPA
EDITORIAL ZERO HORA 14/11/2011Diante da repercussão negativa de seu voto, abrindo uma brecha para político que renuncia às vésperas da reunião do Conselho de Ética para escapar de punição e, assim, ficar livre para se candidatar na eleição seguinte, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), admite a possibilidade de rever seu posicionamento inicial. Seria ótimo para o país que ele e seus companheiros da Corte Suprema entrassem em sintonia com as aspirações da maioria dos brasileiros, encerrando definitivamente um capítulo vergonhoso da política nacional e fechando esta porta aberta para a impunidade. A democracia brasileira só conseguirá dar um salto de qualidade se puder contar com políticos afinados com as crescentes expectativas por parte dos eleitores.
Representantes da sociedade civil que tanto se esforçaram para conseguir pôr em prática no país um conjunto de exigências previsto no âmbito da chamada Lei da Ficha Limpa consideraram animador o voto do relator do processo, que proclamou a validade de praticamente toda a inovação. Ainda assim, se opõem à sua argumentação de que uma petição de inimigo político não pode atribuir caráter abusivo a uma renúncia. Na hipótese de a proposta prevalecer, os políticos voltariam a poder renunciar até a véspera da reunião do Conselho de Ética para fugir da cassação, tornando-se plenamente elegíveis já nas eleições seguintes. Na prática, portanto, se o posicionamento for endossado pelo voto da maioria dos 11 integrantes do STF, tudo ficaria como é hoje.
Historicamente, a renúncia tem sido o procedimento mais usado por políticos pegos em irregularidades sem intenção de perder as vantagens de quem tem mandato. Foi o que ocorreu com algumas personalidades que, diante da ameaça, preferiram confiar na falta de memória e na benevolência dos eleitores, indo em busca de votos para um novo mandato. Se depender do texto literal da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, o ex-senador Joaquim Roriz, do Distrito Federal, que renunciou ao cargo para escapar de um processo por quebra de decoro, estaria impedido de se candidatar até 2023. Pelas novas regras, a punição seria de oito anos após o término de seu mandato – prazo que o relator também pretendia ver reduzido, embora já admita voltar atrás.
Já que o Congresso poucas vezes se propõe a punir integrantes em conflito com a ética, a sociedade precisa confiar na disposição do Judiciário de garantir maior rigor da lei nesses casos. A democracia brasileira sairia ganhando se os políticos, muitas vezes pouco afeitos a seguir preceitos rígidos, fossem submetidos a exigências legais menos condescendentes que as atuais. A mudança depende de uma transformação cultural, mas só terá condições de avançar como se espera quando não houver mais espaço para impunidade.
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