Justiça
ERRO JUDICIÁRIO - EX-GUARDA CONDENADO EM 1959 É INOCENTE SEGUNDO A VÍTIMA
Família vai recorrer contra condenação de ex-guarda Advogado vai pedir revisão da sentença a ex-policial, em 1959, por ato obsceno. Mauro Queiroz foi condenado por se esfregar em menina dentro de ônibus, mas a vítima, hoje com 64 anos, afirma que ele é inocente - ROGÉRIO PAGNAN, DA REPORTAGEM LOCAL, Folha de S. Paulo - 15/11/2009
A família do ex-guarda Mauro Henrique Queiroz recorrerá aos dois tribunais superiores em Brasília (STJ e STF) para tentar provar sua inocência. Queiroz, que morreu em 1998, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por um crime que a própria vítima diz que ele não cometeu. A ação é movida pela viúva e pelos dois filhos do casal.
Segundo o advogado Álvaro Nunes Júnior, defensor da família, o recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedirá a absolvição do réu porque tem como testemunha a própria vítima. Ao STF (Supremo Tribunal Federal), pedirá a manutenção do acórdão publicado anteriormente, que declarava a inocência de Mauro, mas foi modificado anteontem pelo TJ.
Para o advogado Ives Gandra Martins, um dos principais constitucionalistas do país, a família tem grandes chances de sair vitoriosa em Brasília porque trata-se de um evidente caso de erro judicial. "Para mim, sem analisar o mérito, no momento em que a vítima confessa que ele não cometeu crime nenhum, houve um erro judicial que terá de ser corrigido. O acórdão de 2008 corrigia esse erro", disse o advogado.
O acórdão mencionado por Martins foi publicado em março de 2008 e declarava a inocência do ex-policial. O documento estava, porém, errado.
Em sessão realizada na quinta, a pedido do desembargador Damião Cogan, a 3ª Câmara aprovou a mudança do documento. Cogan pediu a mudança após ver reportagem da Folha no dia 1º sobre a luta da família Queiroz em recuperar a honra do ex-guarda Mauro.
Até o final da tarde de sexta-feira, o Tribunal de Justiça não sabia informar qual a justificativa dos desembargadores para negar a inocência do ex-policial. "Essa questão só poderá ter resposta quando da publicação do acórdão", diz mensagem enviada pelo tribunal.
O documento deve ser publicado em dez dias.
Luta
Mauro foi condenado em julho de 1959 porque, para o TJ paulista, em 22 de janeiro de 1957 ele tirou o pênis dentro de um ônibus lotado e esfregou o membro no braço de uma menina de 11 anos. Ele estava em pé e a menina sentada.
Na época, ele pertencia à extinta Guarda Civil de São Paulo. Dentro do ônibus estavam ainda outros seis policiais da rival Força Pública. Nenhum desses, nem mesmo os dois que estavam ao seu lado e que o prenderam, disseram ter visto o fato.
A condenação foi baseada numa testemunha, Mário Marcelo, e numa declaração atribuída à vítima, Sônia Brasil. A condenação foi, porém, imposta pelo TJ (que não tiveram acesso às testemunhas), com voto do relator desembargador Humberto Nova.
O juiz de primeira instância, João Estevam de Siqueira Júnior, o absolveu, no início de 1959, "sob pena de praticar grave erro judiciário".
Mauro tinha 29 anos, estava casado havia pouco mais de um ano, tinha um filho de nove meses e uma carreira policial de nove anos cheia de elogios. Prestava serviços no Palácio da Justiça, na região central.
"Embora portador de bons antecedentes, o acusado deixou entrever de má formação de caráter e o crime se deu em circunstâncias particularmente graves e dispunha até de idoneidade para corromper", diz trecho da sentença de seis anos de prisão, convertidos em liberdade vigiada de dois anos.
Meses antes de morrer, vítima de câncer, Mauro contou ao filho Amauri essa sua situação de condenado, um segredo guardado havia quase 40 anos, e ganhou ali um aliado na busca de sua inocência. Apenas sete anos depois da morte de Mauro, a família conseguiu encontrar Sônia que disse tudo foi uma armação. "Mauro é inocente", repetiu ela à Justiça. Tudo não passou, segundo ela, de uma farsa que teve a participação da sua avó, que acompanhava. "Minha avó deve estar no inferno", afirmou Sônia à Folha, hoje ao 64 anos.
Além do testemunho da vítima, o TJ desprezou o parecer do procurador Júlio César de Toledo Piza, do Ministério Público (que em tese deveria pedir a condenação do réu), que em oito folhas descreve a dinâmica do suposto crime, analisar os testemunhos e se manifesta pela absolvição do réu.
"Não por insuficiência de provas, como as provas da época permitiram ao juízo monocrático, mas por estar provada a inexistência de fato, [...], permitindo também que a família de Mauro tenha orgulho do falecido marido e pai", finaliza.
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