LEANDRO LOYOLAANONIMATO
Manifestantes destroem catracas na Central do Brasil. Democracias como Canadá e França proíbem máscaras (Foto: Paulo Campos/Futura Press)
A morte do cinegrafista Santiago Andrade, no Rio de Janeiro, provocou as reações previstas em casos célebres de morte estúpida. Com a mesma rapidez com que tristeza e revolta se manifestaram em redes sociais, começaram a surgir ideias no Congresso Nacional, em Brasília. Numa tarde normalmente vazia, o senador Jorge Viana (PT-AC) subiu à tribuna para propor a votação urgente de um projeto que versa sobre o crime de terrorismo – e caminha pelas vias burocráticas desde 2011. “Foi usado um explosivo. Não é um rojão de festa junina. Poderia ter matado muitas pessoas”, disse Viana. “Foi, sim, uma ação terrorista a que nós vimos na manifestação.” Seu colega de partido Paulo Paim (RS) sugeriu a aprovação da matéria o mais rápido possível. Dois dias após a morte de Santiago, num tom mais comedido, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, entregou a senadores da Comissão Especial de Segurança Pública uma proposta de projeto de lei para coibir a violência em manifestações.
Feito com a ajuda do Ministério Público carioca e das polícias locais, inspirado na legislação da Espanha, o texto cria o crime de desordem e estabelece uma pena de 12 anos de prisão em caso de morte. Proíbe o uso de armas e máscaras – ou de qualquer coisa capaz de esconder a identidade. “As manifestações surgiram no ano passado de uma maneira que nunca havíamos visto. Gente mascarada usando pedras, coquetéis molotov, foguetes. Em função do que temos hoje na lei, não temos condição de manter essas pessoas presas e puni-las, porque os crimes são de menor potencial ofensivo”, diz Beltrame. Ele já entregara o mesmo texto ao Ministério da Justiça no ano passado – mas, com “pressa”, levou também à Comissão Especial de Segurança Pública do Senado. “Precisamos ser rápidos”, disse.
Como os senadores que foram à tribuna, a intenção de Beltrame é evitar novas mortes em conflitos e dar celeridade ao debate. Há algumas soluções praticamente consensuais. Algumas delas surgiram em conversas entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e secretários de Segurança dos Estados, como o paulista Fernando Grella e o próprio Beltrame. O que todos querem é simples. Hoje, um manifestante vestido com a máscara de Guy Fawkes, mais conhecido símbolo do grupo de hackers anarquistas Anonymous, ou com uma camiseta escondendo o rosto, joga pedras na polícia ou destrói uma agência bancária. Se for preso e identificado, será solto pouco depois e responderá em liberdade, com risco de cumprir apenas uma curta pena na cadeia. A intenção é que esse manifestante pense duas vezes antes de atacar policiais – crime gravíssimo em qualquer democracia – ou destruir patrimônio público ou privado.
A proibição ao uso de máscaras é uma possibilidade factível. Não se trata de cerceamento de liberdade. Democracias como Canadá e França já fazem isso. A Inglaterra permite o uso das máscaras, mas a polícia pode interpelar qualquer mascarado e obrigá-lo a se identificar. Se for considerado suspeito, ele pode ser detido por até 48 horas. Outra mudança é permitir que a polícia possa deter, preventivamente, manifestantes que carreguem armas, como facas, paus e pedras. Medidas como essas duas precisam passar pelo Congresso Nacional, mas têm a vantagem de não exigir grandes alterações na lei.
É necessário também evitar outra ameaça: a violência excessiva das polícias. Em diversas ocasiões, no ano passado, o uso exagerado da força provocou reações ainda mais violentas em protestos no país. Uma medida de controle é estabelecer para as polícias de todos os Estados um protocolo comum de ação em manifestações. Trata-se de uma maneira de coibir abusos ou eventuais omissões. Do ponto de vista prático, isso precisa apenas de um acordo entre o governo federal e os Estados.
Ao contrário dessas medidas viáveis, o projeto que regulamenta o crime de terrorismo, citado pelo senador Viana, não parece o mais adequado para tratar de violência em manifestações populares. Relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), o texto define terrorismo como “provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, ou à saúde, ou à privação de liberdade de pessoas”. “Acredito que precisamos trabalhar para esclarecer mais o tipo penal”, diz o senador Pedro Taques (PDT-MS) envolvido no projeto. “Esse projeto não tem nada a ver com os crimes nas manifestações.” Misturar terrorismo com depredação, vandalismo, incitação ou homicídio em manifestações pode resultar em outro crime, o cerceamento de liberdade de expressão. Unir as duas coisas foi a fórmula usada pela ditadura militar (1964-1985), para manter o controle das oposições – parte delas armadas. Essa era uma das funções da Lei de Segurança Nacional, baixada em outubro de 1969. A presidente Dilma Rousseff sabe disso.
Em vez da lei contra o terrorismo, os parlamentares devem se concentrar no projeto de Beltrame e em outro apresentado pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE). É importante manter o foco. Há 44 projetos relacionados ao tema caminhando no Congresso. Basicamente, alguns querem criar novos crimes, enquanto outros querem apenas aumentar a pena para os crimes que já existem. Uma armadilha a evitar é misturar leis destinadas a prevenir tragédias como a morte de Santiago e matérias encrencadas, como a reforma do Código de Processo Penal. A reforma é um projeto longo, que se arrasta cercado de complexidades e interesses. A melhor maneira de homenagear Santiago – e evitar a proliferação de novas vítimas e algozes disfarçados de democratas – é discutir medidas simples como as já consensuais. E buscar, além disso, a concisão jurídica.