Justiça
ATENTADO À JUSTIÇA - EXECUTADA A TIROS JUÍZA QUE JULGAVA CRIME ORGANIZADO
JUÍZA É EXECUTADA EM EMBOSCADA EM NITERÓI - O GLOBO, 12/08 às 09h43 Athos Moura, Jorge Antonio Barros e Paulo Roberto Araújo
RIO - A juíza Patrícia Lourival Acioli, da 4ª Vara Criminal, de 47 anos, foi assassinada no início da madrugada desta sexta-feira quando acabava de chegar em casa na Rua dos Corais, em Piratininga, Região Oceânica de Niterói. Segundo testemunhas, homens encapuzados que estavam em dois carros e duas motos efetuaram os disparos antes mesmo que ela saísse do seu carro, um Fiat Idea. Única a julgar processos de homicídios em São Gonçalo, a juíza era conhecida por uma atuação rigorosa contra a ação de grupos de extermínio naquela região do estado.
Câmeras da guarita do condomínio onde a juíza morava flagraram a movimentação de duas motocicletas e de dois carros que estariam envolvidos na execução. Um dos veículos foi colocado na entrada da garagem para impedir o acesso da juíza.
A Delegacia de Homicídios (DH) do Rio já recebeu o carro da magistrada e o computador com as imagens do circuito de câmeras. O policial militar casado com a juíza também está prestando depoimento na unidade. Ele deve falar sobre a rotina de Patrícia. Também nesta manhã, equipes da DH seguem para o fórum onde ela trabalhava, em São Gonçalo. Os agentes vão ainda à casa da magistrada. Apesar de haver uma Delegacia de Homicídios em Niterói, a DH do Rio assumiu as investigações a pedido da chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha.
O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, que esteve no local do crime, afirmou que admite a hipótese de a juíza Patrícia Acioli ter sido assassinada em consequência de sua atuação rigorosa contra grupos de extermínio formado por policiais militares.
- Ela já havia recebido ameaças - disse o desembargador, na presidência desde janeiro deste ano.
O desembargador reconheceu que não se recorda de nenhum atentado ou execução de magistrados no Rio nos últimos 30 anos, mas não vê semelhança entre o assassinato de Patrícia e o planejamento de atentados contra magistrados por facção criminosa no interior de São Paulo.
O presidente da seção de Niterói da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Antônio José Barbosa da Silva, pediu uma apuração rigorosa para se chegar aos criminosos que executaram a juíza Patrícia Acioli.
- O crime foi feito por profissionais. O que chama atenção é o fato de uma magistrada, que julgou centenas de criminosos de alta periculosidade, não contar com segurança policial. Juízes criminais não devem ficar expostos. Ao contrário das pessoas de bem, bandidos não têm o que perder. O assassinato lembra os crimes cometidos pela máfia - disse o presidente da OAB.
Patrícia estava há três anos sem escolta por determinação do ex-presidente do Tribunal de Justiça Luiz Zveiter, segundo informou o jornalista Humberto Nascimento, primo da vítima. De acordo com ele, a juíza já recebeu pelo menos quatro ameaças graves num período de cinco anos. Quando era defensora pública na Baixada, já tinha sofrido um atentado.
O ex-presidente do Tribunal de Justiça e atual presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) Luiz Zveiter, no entanto, negou que tenha determinado a retirada da escolta da juíza. Segundo o desembargador, que presidiu o Tribunal de Justiça em 2009 e 2010, a escolta da juíza foi retirada em 2007, quando ele ainda não presidia o TJ, a pedido da magistrada.
- Os pedidos de escolta são analisados pela diretoria de segurança do TJ. Na minha gestão, não houve nenhum pedido de escolta para a juíza. O que me consta é que ela preferia a segurança do próprio marido, que era policial militar -- disse Zveiter.
O magistrado lamentou a execução:
- O crime precisa ser apurado com todo o rigor e o mais rápido possível - sugeriu.
A perícia recolheu 16 cápsulas de pistola de dois calibres. Segundo a perícia, os tiros foram bem direcionados de baixo para cima.
Uma juíza linha-dura no caminho dos PMs
Em janeiro deste ano, a juíza decretou a prisão preventiva de seis policiais do 7º BPM, acusados de forjar um auto de resistência (morte em confronto com a polícia), em outubro do ano passado, em São Gonçalo.
Em setembro de 2010, Patrícia expediu os mandados de prisão de quatro policiais militares acusados de participar de um grupo de extermínio, que teria executado 11 pessoas, em São Gonçalo. Na época O GLOBO mostrou que os policiais do 7º BPM (São Gonçalo) denunciados por homicídio em casos que foram registrados inicialmente como autos de resistência seriam julgados por Patrícia.
Titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo desde 1999, ela é a única que julga processos de homicídio - e crimes correlatos - na cidade. Conhecida pelo rigor na hora de inquirir os réus e por dar celeridade aos processos, ela considerava o crime cometido por um policial durante o serviço mais grave que o praticado por um cidadão comum.
- Ao cometer um crime, o policial gera na população uma descrença no poder constituído. O povo passa a procurar o poder paralelo e desacreditar o estado - disparou Patrícia, em entrevista ao GLOBO.
Nos primeiros anos de vida profissional, quando ainda era defensora pública, na Baixada Fluminense, Patrícia foi incumbida de representar parentes de vítimas de grupos de extermínio - muitos formados por policiais. Ela era vista com desconfiança por seus assistidos.
- Eles não entendiam direito. Na cabeça deles, passava a dúvida: como pode o Estado (a defensora) estar me defendendo, se foi o mesmo Estado (os policiais) que matou meu filho, meu marido? - conta.
À época da entrevista, Patrícia Acioli já colecionava ameaças. Ela, no entanto, dizia não ter medo de decretar prisões. Apesar de não temer ameaças, a juíza não permitiu que seu rosto fosse fotografado para a reportagem. Segundo ela, é uma forma de preservar sua família.
- Não tenho medo de ameaça. Quem quer fazer algo vai e faz, não fica ameaçando. Ninguém morre antes da hora. Sei que, no imaginário popular, a juíza é quem faz tudo, mas é a polícia que investiga, são os promotores que fazem a denúncia e é o júri que julga - afirmou ela, tentando explicar a fama de durona que tem na cidade.
Ameaçada de morte por um agiota, que mandou prender, ela recebeu meses depois um pedido de proteção feito por ele. É que após sair da cadeia, o agiota foi ameaçado por cúmplices.
- E ela deu proteção - contou o promotor Cunha Júnior.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma heroína que morre nas mãos do crime, neste país da impunidade, de um congresso omisso, de leis benevolentes e de uma justiça morosa, divergente, alternativa e tolerante. Está na hora de uma reação contundente dos governantes, especialmente do Congresso, do Poder Judiciário e dos magistrados em geral, contra este atentado violento contra a justiça, contra o Poder Judiciário e contra o Estado democrático de direito. Só uma mobilização de todos será capaz de dar um basta ao poder do crime organizado, sob pena de continuar a cegueira, a surdez, a imobilidade e a omissão enterrando pessoas inocentes e heróis cumpridores de seus deveres, executados pela audácia, crueldade e impunidade da bandidagem privilegiada. Seria bom deixar os interesses salariais de lado, e usar este esforço na construção de LEIS RIGOROSAS, SISTEMA JUDICIAL INTEGRADO À ORDEM PÚBLICA, PROCESSOS ÁGEIS, EXECUÇÃO PENAL EFETIVA E FORTALECIMENTO DOS INSTRUMENTOS DE COAÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA RESPONSÁVEIS NA PRESERVAÇÃO DA PAZ SOCIAL NO BRASIL.
A propósito: Como pode uma magistrada, integrante de uma dos mais importantes poderes democráticos, estar sob ameaça de tal envergadura e risco e ficar sem escolta policial? Se é verdade que a retirada da escola policial desta juíza foi determinação judicial, este magistrado deveria ser responsabilizado?
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