ARTIGOS
Abrão Slavutzy*
A maior odisseia do ser humano é a conquista da liberdade. Viver a liberdade interior é assumir os próprios desejos, é ser o capitão de sua alma. O desafio é difícil, pois envolve atravessar a longa ponte do desamparo. Uma ponte que começa no distante mundo infantil e vai até a independência afetiva dos amparos familiares. Quem atravessa a ponte se sente solitário, assustado, mas respira um novo ar, um ar livre. Outros se mantêm sofredores, masoquistas, como proteção ao desamparo. Para aliviar as angústias do vazio, muitos encontram amparos em depressões e vícios. São pessoas em busca de tempos passados, de paixões perdidas, com vivências mortificantes.
O ser humano, segundo La Boétie, tem uma tendência a abrir mão de sua liberdade. Muitos buscam um líder autoritário para se sentirem seguros. Há mais de quatro séculos, ele cunhou a expressão servidão voluntária. O enigma dos porquês da servidão começou a ser esclarecido pelo velho Freud em 1924. Os sofrimentos, se por um lado doem muito, por outro amparam. As tristezas, as queixas crônicas e vícios sem limites são torturas erotizadas. O ser humano é viciado em dores, remédios, jogos, alimentos que fazem mal, bem como vícios em drogas de todo tipo. Somos uma sociedade viciada, sempre estimulada por propagandas sedutoras.
Os dependentes se escravizam num pacto masoquista e assim evitam o vazio. O vazio do desamparo é uma ameaça assustadora, pode gerar pânico, sentimento de cair no abismo, de loucura e morte. As dores e excitações do perigo amenizam as angústias, diminuem a solidão. A pessoa se escraviza, mas tem uma segurança ilusória na servidão voluntária. Os vazios são preenchidos pelas paixões de toda ordem, tanto privadas quanto coletivas, como o fanatismo. Um dos antídotos desses sofrimentos são os grupos anônimos que semanalmente se reúnem. Esses grupos amparam e auxiliam na busca da liberdade de cada dependente.
Buscar a liberdade é construir um novo sentido de viver, envolve coragem e criatividade. Superar o passado, a luta pela autonomia, é algo lento, gera feridas narcisistas, logo se precisa de amparos afetivos. Amparos que estimulem caminhos originais, como as relações amorosas e a capacidade de trabalhar. E, para se libertar das tendências destrutivas, é preciso ter humildade em aceitar ajuda. Toda palavra boa é uma semente que pode germinar.
Ser livre exige atravessar a longa ponte do desamparo. Uma travessia auxiliada hoje pelas redes da internet; redes que estimulam a fraternidade. Também há os escritores, amigos auxiliares, como Montaigne e Italo Calvino. Aqui temos muitos, a começar pelo Millôr Fernandes. O sábio humorista expôs sua meta: “Não tenho procurado outra coisa na vida senão ser livre”. Aliás, liberdade é a primeira das três palavras da Revolução Francesa, as outras são igualdade e fraternidade. Escrevo para não esquecer.
*PSICANALISTA