Justiça
A CARGA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
25 de agosto de 2012 | 3h 08
OPINIÃO O Estado de S.Paulo Ao comentar em entrevista ao jornal Valor os problemas que terá de enfrentar na chefia do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o novo presidente da Corte, ministro Felix Fischer, citou entre eles as causas insignificantes que chegam aos tribunais superiores. Atualmente, há 262 mil processos aguardando julgamento no Superior Tribunal de Justiça. Por mês, são protocolados 27 mil novos recursos, dos quais vários envolvem conflitos de vizinhança.
Um dos casos insignificantes mencionado pelo ministro é um processo sobre a morte de um papagaio causada por um rottweiler. O caso chegou ao STJ porque uma das partes é procurador da República e invocou o direito a foro privilegiado. "É algo que não poderia chegar a um tribunal superior, mas chega", afirma Fischer, atribuindo o problema às brechas da legislação processual.
Por ironia, no mesmo dia em que o novo presidente do STJ citou esse caso, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um pedido de habeas corpus impetrado por um pescador de Santa Catarina, condenado a um ano e dois meses de detenção por ter pescado 12 camarões com rede irregular, em época de defeso - quando a pesca é proibida para permitir a desova de peixes e crustáceos. A atribuição do STF é julgar as causas mais relevantes para a sociedade, principalmente as que envolvem matéria constitucional. As especificações das redes de pesca são determinadas pelo Ibama, por meio de portarias.
Relator do caso, o ministro Ricardo Lewandowski foi mais rigoroso com o pescador do que com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), notório réu no processo do mensalão. Lewandowski negou o habeas corpus pedido pelo pescador, alegando que a rede por ele usada tinha "malha finíssima". Mas o ministro foi derrotado, pois os demais integrantes da 2.ª Turma - Cezar Peluso e Gilmar Mendes - concederam o habeas corpus e absolveram o pescador, invocando o princípio da insignificância. "É evidente a desproporcionalidade da pena aplicada, pois a causa é de crime famélico. É preciso encontrar outros meios de reprimir condutas como a dos autos, em que não parece razoável que se imponha esse tipo de sanção (a pena privativa de liberdade)", afirmou Gilmar Mendes.
Para o novo presidente do STJ, a subida de causas como essas aos tribunais superiores mostra que os três filtros impostos pela reforma do Judiciário para descongestioná-los - o mandado de injunção, o princípio da repercussão geral e a cláusula impeditiva de recursos - não foram suficientes. Introduzidos na legislação processual pela Emenda Constitucional n.º 45, em 2004, esses três filtros foram concebidos para agilizar o julgamento das pequenas causas e dos conflitos corriqueiros. A ideia era possibilitar que, com o estabelecimento de súmulas e a ampliação da jurisprudência, esses conflitos fossem encerrados rapidamente na primeira instância.
Assim que foram regulamentados e passaram a ser aplicados, os três filtros ajudaram a reduzir o número de processos enviados para o STJ e o STF. Mas, por causa da crescente litigiosidade da sociedade, o Judiciário voltou a ficar congestionado não apenas na base, mas também nas instâncias superiores, diz Fischer. Até os Juizados Especiais - criados para julgar com rito sumário as causas de pequeno valor - estão abarrotados. E, mais grave ainda, suas decisões estão sendo questionadas pelas partes derrotadas nos tribunais superiores.
"Os recursos dos Juizados estão desembocando na 2.ª Seção do STJ. Em nenhum país do mundo um tribunal superior julga esse tipo de assunto. Não por esnobismo, mas porque essa não é sua função. Se continuar assim, em vez de ser um tribunal superior, o STJ virará uma terceira instância, o que é um absurdo. Para quem tem razão, isso é um desastre. Para quem não tem, é uma maravilha. Eterniza-se a causa", diz Fischer.
Uma das metas que ele estabeleceu para sua gestão é enviar ao Congresso um projeto de lei que mude essa situação. Mas a tramitação desse projeto demanda tempo. Enquanto isso, conflitos de vizinhança continuarão subindo para o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal terá de julgar desde o pescador dos 12 camarões até os réus do mensalão.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este blog vem denunciando esta mazela do judiciário desde a sua criação. Ela tem origem na constituição federal que centraliza o transitado em julgado (portanto todos os recursos) nas cortes supremas onde o número de magistrados é reduzido. Realmente, é grande o volume de "causas insignificantes que chegam aos tribunais superiores", alguns envolvendo "conflitos de vizinhança" e alegações de foro privilegiado que recorrem da atenção e julgamento das cortes. Porém, envergonha o fato dos magistrados aceitarem esta situação até agora, não se mobilizando nas reformas que foram prometidas e algumas realizadas com resultados pífios. Está na hora de uma mudança constitucional que a torne mais enxuta, deixando para uma lei específica que reestruture o poder judiciário e promova uma ampla reforma de postura e procedimentos agilizando processos, reduzindo prazos e recursos, aplicando a lei com coatividade, fortalecendo os tribunais regionais, regrando as liminares, seguindo as súmulas vinculantes e implementando os juizados de instrução e de garantia para desburocratizar a justiça e aproximar os magistrados das questões de ordem pública, das polícias, dos presídios e da sociedade, deixando os casos de repercussão e a interpretação das leis para as cortes superiores.
Ou então segue a rotinas dos tribunais sendo desmoralizados pela intervenção das cortes supremas que expedem liminares sem um colegiado, recebem casos que não passam pela análise regional e julgam casos como o do pescador dos 12 camarões, a vizinha do garnizé, o dono do cão, a ofensa do caluniador, o mau pagador, entre outros irrelevantes. A não ser que existam interesses escusos de obstruir as cortes superiores aumentando a carga de trabalho para que demore a analisar e julgar casos envolvendo governadores e demais autoridades públicas com problemas na justiça.
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