O Estado de S.Paulo 13 Outubro 2014 | 02h 04 OPINIÃOÉ lastimável o comportamento de integrantes da magistratura e do Ministério Público, que não parecem medir esforços para obter vantagens que sempre aumentam seus salários, já muito elevados, sobretudo se considerarmos as notórias limitações de um país como o Brasil, que ainda está longe de ser suficientemente rico para suportar uma carga como essa. O mais recente episódio dessa luta inglória é a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que aprovaram resoluções determinando o pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.377,73 para os integrantes de suas carreiras que não tenham residência oficial à disposição.
Ela foi tomada menos de um mês depois de o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em caráter liminar, ter determinado o pagamento do auxílio aos juízes federais, mesmo aos que já possuem imóvel próprio na cidade em que trabalham. Com isso, ele abriu caminho para que o benefício fosse estendido aos demais juízes do País. Isso acaba de ser feito pelo CNJ e, por simetria, pelo CNMP aos promotores e procuradores. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão do CNMP vai "uniformizar" o pagamento aos membros do Ministério Público.
Alguns Estados já pagavam o auxílio-moradia a juízes e promotores. Agora, todos deverão fazer o mesmo, no valor fixado. E tem mais: os funcionários não precisam nem apresentar recibo de aluguel para ter o benefício, o que não é de estranhar, uma vez que o adjutório é auferido mesmo por quem possui residência própria onde trabalha. E esse auxílio, é bom lembrar, não é levado em conta na fixação do teto salarial. Ou seja, com ele - o que vai acontecer certamente num grande número de casos - o teto poderá ser ultrapassado. Mais uma confirmação de que, entre nós, teto não é teto.
Algumas considerações se impõem a respeito dessas decisões. Em primeiro lugar, é muito difícil, se não impossível, para o contribuinte - que é quem paga a conta com o dinheiro dos seus impostos - entender que servidores públicos recebam R$ 4.377,73 mensais para cobrir despesas de moradia, encargos que devem ser providos pelo salário do funcionário, como acontece com todo cidadão brasileiro prestante. Em segundo lugar, o contribuinte aceita que servidores qualificados como esses, e que ainda por cima desempenham funções de altíssima responsabilidade, merecem ganhar bem.
E eles ganham. O salário médio dos juízes federais, para citar um exemplo, é de R$ 25,2 mil. É uma remuneração boa mesmo em países ricos. No Brasil, portanto, mais ainda. Ganham bem tanto juízes como promotores. Como justificar então o pagamento a eles de um auxílio-moradia, que ainda por cima não é a rigor o que o nome diz?
Considere-se, também, que a decisão do ministro Fux tem caráter liminar, podendo ser mantida ou revogada pelo plenário do STF. Mesmo supondo-se, só para argumentar, que o tal benefício possa ser confirmado - o que, convenhamos, seria uma tarefa para lá de difícil -, o mais elementar bom senso indica que o CNJ e o CNMP deveriam esperar a manifestação final do STF. Afinal, se ela for contrária ao auxílio-moradia, esses dois órgãos terão de rever suas decisões. Por que então tanta sofreguidão?
A Advocacia-Geral da União (AGU) age muito bem ao tentar derrubar o benefício no STF. O auxílio-moradia para quem dele evidentemente não precisa - salvo as exceções de juízes e promotores que não têm casa própria ou residência oficial à sua disposição nas cidades onde trabalham -, na prática, é um aumento de salário. Aumento que os governos federal e estaduais se recusam a dar, seja porque ele não se justifica, seja porque não dispõem de recursos para tal.
Os membros do Judiciário e do Ministério Público envolvidos na concessão desse benefício, assim como as associações que os representam, não ficam bem nesse caso. Isso não é bom para a imagem deles próprios e, principalmente, para a das instituições que integram e representam e cuja importância dispensa comentários.
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