Justiça
RECESSO DO JUDICIÁRIO
Desembargador Antonio Pessoa Cardoso - A Voz do Cidadão, 02/04/2012O Conselho Nacional de Justiça, órgão externo criado para controlar a administração do judiciário, resolveu estender aos juízes estaduais o benefício do recesso forense, já desfrutado pelos magistrados federais desde o ano de 1966, quando a Lei n. 5.010 organizou a justiça federal de primeira instância. Esta norma, denominada de Lei Orgânica da Justiça Federal, considerou feriados os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 06 de janeiro, os dias da Semana Santa, entre a quarta feira e o domingo de páscoa, os dias de segunda e terça feira de carnaval, os dias 11 de agosto, 1º e 02 de novembro, além dos fixados em lei.
Assim, concedendo aos magistrados estaduais o mesmo descanso já auferido pelos juízes federais, o CNJ, através de resolução, diga-se de passagem, e não de lei, conferiu à justiça dos estados mais 18 dias de folga, provocando fechamento de todos os cartórios judiciais e de todas as secretarias de câmaras no período indicado como recesso, situação inexistente para os juízes estaduais antes de 2005; assim, também os serventuários passaram a contar com mais 18 dias que somados aos 30 dias de férias perfazem o total de 48 dias no ano sem trabalho, afora evidentemente os feriados e outros benefícios. Os magistrados têm 93 dias de descanso, juntados os dias de recesso, o descanso da semana santa, os feriados, mais 60 dias de férias; se incluir a licença prêmio de 90 dias, a cada cinco anos, encontra-se a média de 06 dias/ano, totalizando 99 dias dispensados do trabalho. Tanto na área federal, estadual, no ministério público, na justiça do trabalho na justiça militar e no tribunal de contas a situação é a mesma; a diferença existe, porque o CNJ estendeu apenas a vantagem do recesso, deixando de conceder aos magistrados estaduais também a folga da semana santa, conferida aos da área federal pela lei apontada acima.
Desta forma, o judiciário do país está de férias, de recesso ou no gozo de feriado durante 203 dias, trabalhando, portanto, pouco mais de 160 dias no ano; com este raciocínio, conclui-se que para cada dia de trabalho o magistrado tem mais de um dia de folga.
À novidade do recesso seguiu-se a dificuldade do acesso do jurisdicionado à justiça, porquanto não se forma mais câmara de férias, as secretarias e os fóruns lacram as portas, apesar de a lei inadmitir interrupção dos serviços judiciários. Induvidosamente, no período de 20 de dezembro a 06 de janeiro não há movimentação dos processos e nos tribunais, há regime de plantão, diferentemente do que se praticava, quando as férias eram coletivas e não havia recesso entre os juízes estaduais. Neste caso, ou seja, antes da interferência do CNJ em 2005, as secretarias, os tribunais, e os cartórios judiciais, na justiça de primeiro grau, ficavam abertos; os juízes, na primeira instância, movimentavam os processos todos os doze meses do ano e, na segunda instância, a paralisação limitava-se aos dois meses de férias coletivas, mas ainda assim com uma câmara especial funcionando e com as secretarias abertas, situação que hoje não acontece.
O plantão que se criou durante o recesso não se presta para cobrir as atividades jurisdicionais, pois as secretarias lacram suas portas e o pequeno número de serventuários disponibilizados nesse período não socorre ao consumidor que se obriga a esperar o fim do recesso; nem se fala sobre a paralisação total dos processos, vez que não há audiências, nem correm os prazos processuais. Portanto, sem dúvida alguma, diminuiu ainda mais a movimentação da máquina judiciária, porquanto os serventuários que gozavam somente 30 dias de férias, passaram a contar também com os 18 dias de recesso e, portanto, 48 dias de descanso.
A Resolução n. 08 de 29/11/2005 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu o recesso, criou dificuldades de ordens processuais para a justiça estadual, a exemplo da suspensão dos prazos; acontece que o CPC, arts. 178 e 179, lei federal, fixa a continuidade de prazos, inadmite a interrupção dos serviços judiciários em feriados para suspendê-los somente no período de férias; frise-se, portanto, que a lei aceita a suspensão de prazo somente durante as férias; recesso não se pode entender como férias; então, pela lei não se suspende prazos processuais no período do recesso. A Lei n. 5.010/66 fixou como feriado os dias de recesso para a justiça federal, enquanto a Resolução estabeleceu recesso para a justiça estadual, mas os prazos somente deveriam suspender durante as férias coletivas. Alguns tribunais, entretanto, recusam-se em conceder o recesso, oferecido pelo CNJ, sob o entendimento de que o favor deve ser tratado por lei federal e não por resolução.
Posteriormente, o CNJ editou a Resolução n. 24 de 24/10/2006 para revogar o art. 2º da Resolução n. 03 de 16/08/2005, que extinguia as férias coletivas. Mais adiante a Resolução n. 28 de 18/12/2006 revoga a Resolução n. 24. Assim volta a ser respeitado o dispositivo constitucional que extinguiu as férias coletivas. Este dispositivo, entretanto, deve ser alterado em benefício do coletivo, do público, do jurisdicionado sem se dar prioridade ao privado, OAB; o CNJ criou sério imbróglio com as resoluções expedidas somente para priorizar pretensão do privado, OAB, em detrimento do público, jurisdicionado. O STF foi chamado para desautorizar o CNJ a disciplinar matéria tratada de outra forma pela Constituição.
Bem verdade que o magistrado enfrenta trabalho estafante, consistente nas audiências e nos julgamentos; a alegação de que a atividade exige trabalho noturno, nos feriados e nas férias não se sustentam, pois simplesmente não há lei para exigir do julgador tamanho sacrifício. Basta desenvolver sua atividade nos dias de trabalho.
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar n. 6.645/2006 que busca incluir entre os feriados o período do recesso, afoitamente consignado através de Resolução n. 08/2005 e não de lei, como foi na justiça federal, Lei 5.010; no Senado, para onde seguiu o PLC, o relator, Senador Pedro Simon apresentou substitutivo que tomou o n. 6/2007; altera dispositivos do CPC e o art. 62 da Lei n. 5.010; sensatamente, extingue o recesso forense, sob o forte argumento de que “não se pode cercear o serviço público em detrimento de um setor privado”, ou seja, atender às ponderações da OAB e esquecer as necessidades do jurisdicionado. No substitutivo, suspende-se “todos os prazos, audiências e quaisquer outras intercorrências judiciais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro de cada ano”; tramitam neste período as ações enumeradas no substitutivo, a exemplo da produção antecipada de provas, da citação, da separação de corpos, dos alimentos provisionais, da prisão, etc.
Não se entende tanto tempo de descanso para magistrados, quando se questiona morosidade, falta de juízes e inoperância dos serviços judiciários; afinal, a justiça brasileira contava em 2007 com mais de 67 milhões de processos para decidir e este fato não condiz com a excrescência do recesso forense num sistema já carcomido por tantas medidas incompreendidas pelo povo, destinatário final das atividades dos magistrados. Enfim, quem tem a coragem de se indignar pode e deve reclamar o absurdo que se estabeleceu com 60 dias de férias, com 18 dias de recesso, além dos feriados.
Como dizia Bertold Brech:“Como é necessário o pão diário
É necessária a justiça diária.
Sim, mesmo várias vezes ao dia”.* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador da 4ª Câmara, e Presidente da Seção Civel de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia..
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