Justiça
QUEBRA DE SIGILO - STF CONTÉM RECEITA
O STF contém a Receita - 21/12/2010 | 23h 28 - O ESTADO DE SÃO PAULO OPINIÃO - AE - AE
Ao julgar um recurso extraordinário impetrado por uma empresa paranaense contra o Fisco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 5 votos contra 4, que a Receita Federal não tem a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, para efeitos de investigação criminal ou de abertura de ação penal.
Segundo a Corte, o sigilo bancário é um direito fundamental reconhecido expressamente pela Constituição de 88 e o acesso às contas correntes das pessoas físicas e jurídicas em bancos e demais instituições financeiras somente pode ser feito por meio de autorização judicial - e ainda assim com base em justificativa fundamentada de modo detalhado por parte das autoridades fiscais.
Tomada há cerca de três meses depois de uma sucessão de vazamentos de declarações de Imposto de Renda de dirigentes do PSDB, do candidato do partido à Presidência, José Serra, e de sua filha e de seu genro por funcionários da Receita Federal, a decisão da mais alta Corte do País não poderia ser mais oportuna.
Segundo o relator, ministro Marco Aurélio Mello, a quebra de sigilo bancário sem a devida autorização judicial, por parte da Receita, mesmo nos casos que envolvam dinheiro público, "viola a dignidade dos contribuintes".
O mesmo entendimento foi expresso pelo decano do Supremo, ministro José Celso de Mello Filho. Seguido pelo presidente do STF, Cezar Peluso, e pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, ele lembrou que a exigência de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário foi imposta pela Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de conter os abusos que os órgãos fiscais do Poder Executivo costumam cometer, a pretexto de combater a sonegação fiscal.
"A decretação da quebra de sigilo não pode se converter num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas. A quebra de sigilo sem a devida autorização judicial asfixia o sujeito passivo da obrigação tributária", disse Mello Filho, depois de lembrar que é absurdo considerar direitos e garantias fundamentais como obstáculo para o combate à sonegação.
A afirmação do ministro José Celso de Mello Filho foi uma resposta clara e objetiva aos argumentos apresentados no julgamento pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, que votou contra o provimento do recurso e ainda tentou justificar as pretensões da Receita Federal.
Em seu voto, Toffoli - que, quando foi advogado-geral da União, defendeu os interesses do Fisco - invocou o parágrafo 1.º do artigo 145 da Constituição, que trata da cobrança de tributos. Segundo o dispositivo, "os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei (grifo nosso), o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".
O mais antigo ministro do Supremo lembrou ao ministro mais novo que, no Estado de Direito e no regime democrático, a supremacia do interesse público jamais está acima das garantias fundamentais.
Após a decisão do Supremo, o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, declarou que os trabalhos de fiscalização do órgão dependem do acesso direto às instituições financeiras, que a exigência de autorização judicial dificulta a atuação dos fiscais, alegou que as informações bancárias são fundamentais para o cruzamento das informações prestadas pelos contribuintes, com objetivo de detectar eventuais irregularidades e anunciou que irá "dialogar" com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para tentar encontrar uma solução para o "problema".
Parece incrível que, mais de duas décadas após o retorno do País à democracia, ainda haja na máquina governamental burocratas que continuam vendo como "problema" os direitos dos cidadãos consagrados pela Constituição como cláusulas pétreas.
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