Justiça
PRIMAVERA RUSSA
ZERO HORA 02 de julho de 2012 | N° 17118. ARTIGOS
João Roberto A. Neves, advogado
Apesar de o Kremlin ter implantado severas restrições contra manifestações populares, o dia 12 de junho foi marcado por grandes marchas nas ruas das cidades russas, principalmente Moscou e São Petersburgo, em meio a protestos veementes contra o terceiro mandato do presidente Vladimir Putin e a fraude com a qual seu partido (Rússia Unida) venceu as eleições legislativas. Em O que Fazer?, publicado em 1902, Lenin fez do partido o instrumento privilegiado para permitir ao proletariado se constituir como força revolucionária dominante. Atualmente, Putin implementa o mesmo procedimento sob outra forma, método utilizado em países sem tradição democrática, visando legitimar artifícios políticos. É a perpetuação do status quo.
Antes do dia supramencionado, com a ajuda de policiais e magistrados, várias residências de líderes da oposição foram revistadas, com o confisco de telefones, computadores e dinheiro, tudo ao estilo da KGB, da qual Putin foi um agente exemplar, uma espécie de tesserário do antigo regime. A legislação ficou mais dura para os que descumprirem as normas concernentes à realização de atos públicos em Moscou. A nova lei de comícios foi desafiada. No entanto, a intimidação com roupagem legal fracassou. O tiro saiu pela culatra. Os “expurgos stalinistas” de 1937 parecem ter despertado a mente coletiva de uma letargia secular. Um futuro com ar primaveril está próximo? Só o tempo, senhor das verdades, dará o veredicto imparcial.
Sabe-se que existem algumas semelhanças entre a Rússia e o Brasil, entre as quais a passividade do povo, que é histórica. Governos de soberanos, diga-se en passant, nada esclarecidos, geram homens submissos, salvo raras exceções. A estrutura estatal de outrora permaneceu viva nas instituições que emergiram com a nova organização política. A tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, em 1917, apenas fez ressurgir novos czares das cinzas do antigo regime. O tempo dirá se a protestação dos russos terá o mesmo fim que no Brasil teve o movimento da “Marcha pelas Diretas já” ou o préstito dos “caras pintadas” no impeachment do então presidente Collor. Ambos acabaram onde o Brasil atualmente se encontra.
Partindo do pressuposto de que, igualmente como no Brasil, na Rússia de hoje são comuns sans-culotte de ocasião que lembram Racine, que parou de escrever tragédias para tornar-se servidor real, doravante tudo é possível acontecer no país de Liev Tostói, inclusive continuar tudo como está.
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