ZERO HORA 6 de março de 2016 | N° 18483
ARTIGOS
MONICA DE BOLLE*
No calor das manifestações recentes, da temperatura elevada pela divulgação dos áudios que revelaram as vísceras do lulopetismo e pela estridência da presidente acuada, a reflexão cedeu à indignação. Passada a sofreguidão, o momento pede clareza de raciocínio.Houve quem tenha visto nas comparações entre as manifestações antigovernistas e pró-governistas motivo para insuflar- se de orgulho. O grito de 3,5 milhões sem dúvida lhes pareceu mais do que suficiente para abafar o brado de 270 mil, revelando que o país não estaria dividido. Não é bem assim. Se 270 mil pessoas comparecem às ruas para apoiar o governo, ainda que pagos, ainda que com transporte grátis, ainda que presenteados com uma merendinha, são 270 mil que acreditam estar lutando a favor da democracia. Ou nada sabem sobre democracia. Pouco importa. O fato é que o Brasil sai disso, mas sai gravemente ferido.
Dilma irá embora, isso é certo. Três e meio milhões de pessoas deram-lhe o aviso prévio. Os despautérios da presidente em seus discursos incendiários para a militância durante e depois da posse que, por enquanto, foi sem ter sido, a posse apressada e descabida de Lula na Casa Civil, forneceram as evidências de justa causa. Dilma deixou claro que não governa “para todos os brasileiros e brasileiras”, conforme insistia até ver o projeto de poder do PT ruir. Dilma governa para a claque que, no Palácio do Planalto, berra palavras de ordem e insulta a inteligência alheia com a recorrente ladainha do “não vai ter golpe”. Além de deixar claro que governa apenas para parte muito pouco representativa da nação, Dilma cometeu outro erro gravíssimo: foi inadvertidamente flagrada conspirando com Lula para que este fugisse do juiz Sergio Moro enfiando-se no Planalto. O Planalto nega que tenha sido assim. Contudo, a atitude no mínimo irresponsável de telefonar para o seu ministro escolhido por razões turvas não deixa dúvida sobre a necessidade premente de retirar-lhe a faixa presidencial. Pela via democrática, que fique claro, pela via do impeachment.
Está certa a claque, não vai ter golpe. O impeachment, por mais que desagrade por várias razões, inclusive por estar sendo conduzido por um Congresso repleto de políticos sob investigação, é a instituição legítima para atender aos clamores da sociedade. Que não se confunda a instituição com as pessoas, equívoco tão recorrente no Brasil.
Dilma, Lula e PT deixarão para trás um país profundamente marcado pelo descalabro por eles perpetrado. Tomemos o caso de Lula, figura que por tanto tempo foi símbolo de um país que finalmente se soltava das amarras da desigualdade socioeconômica. Para muitos, é duro constatar que esse Lula, que talvez um dia tenha de fato existido, morreu nas gravações sórdidas interceptadas pela Polícia Federal. Deixa órfãos todos aqueles que, por idealismo ou oportunismo – pouco importa – viam nele uma grande liderança. Boa parte da intelectualidade brasileira está aí para mostrar que, diante das evidências sobre o verdadeiro caráter do ex-mito, o que vale é o viés de confirmação. “O PT é o único partido que se interessa pelos pobres.” “As elites brasileiras jamais aturaram Lula.” Esquecem-se de que quem é “intelectual” é, também, elite. Compreende-se, entretanto, o desespero e a frustração daqueles que, hoje, sentem- se enganados e não têm a quem recorrer. O descrédito generalizado em relação aos políticos não é exclusividade dos eleitores do PT, assim como o anseio por uma sociedade mais igualitária não é monopólio do partido e de seus seguidores.
Os 270 mil que foram às ruas defender o legado de Lula, lutar por um conceito confuso de democracia, ou simplesmente bradar contra uma oposição que consideram intolerável, são uma força a considerar. Essas pessoas continuarão a integrar o Brasil pós-Dilma, pós-lulopetismo. São brasileiros e brasileiras com opiniões, frustrações, desejos, angústias e desesperos. Por mais que assuste a incapacidade que alguns têm de processar a demolição institucional, moral e econômica promovida pelo PT, esses indivíduos não haverão de desaparecer.
O que restará do Brasil no proverbial “dia seguinte”? Vejamos: um sistema político em frangalhos, uma economia estraçalhada, uma sociedade cheia de rancores e pesares. País estraçalhado, fragmentado e muito, muito confuso. Quem terá a capacidade, a legitimidade para reconstruir tudo, reparar tudo, reordenar tudo e, ainda por cima, pacificar os ânimos tão acirrados que hoje dão o tom do Brasil? O vermelho que se vê já não é mais o vermelho do PT, mas a cor da raiva e dos espíritos aguerridos. “Uma casa dividida não pode sustentar-se”, disse Abraham Lincoln. Da forma em que está, não se enganem, o Brasil não vai a lugar algum. Estará fadado a chafurdar nos escombros do lulopetismo.
Que tiremos Dilma indigna da Presidência da República, seja pelo impeachment, seja pelo voto. Mas, mantenhamos o bom senso, a inteligência, a tolerância, para que, no dia seguinte, o país possa entrar em reconstrução.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, professora da SAIS, Johns Hopkins University
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