Justiça
PACIFICAÇÃO DA ROCINHA
A polícia, quem diria, sobe o morro com a legalidade - JORGE ANTÔNIO BARROS, BLOG REPÓRTER DE CRIME, O GLOBO, 20/11/2011
Quando este blog era uma das poucas vozes contra a política de confronto do governo do estado e eu defendia que havia sim outra forma de combater o tráfico que não fosse apenas por meio de incursões esporádicas às comunidades pobres, havia quem dissesse dentro da polícia que era impossível fazer omelete sem quebrar ovos. Quando eu dizia que era possível executar uma política de segurança que aliasse a aplicação da lei ao respeito aos direitos humanos, era chamado de "vermelho' por alguns comentaristas obtusos. Quando eu dizia que é sim possível fazer polícia de modo inteligente e sem rasgar a constituição federal e as leis do país, alguns riam e debochavam.
Felizmente chegou o dia em que uma grande operação policial, como foi a ocupação de Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, foi realizada não apenas sem se gastar uma bala do Estado, como também dentro dos parâmetros da lei, sem excessos nem abusos como os que lamentavelmente ocorreram durante a ocupação do Complexo do Alemão, há quase um ano. Como se sabe, a grande vitória das forças de segurança -- ao conquistarem o território que durante décadas foi dominado pelo tráfico de drogas -- acabou arranhada pela atuação de uma parte dos policiais civis e militares, que transformaram o morro numa "serra pelada", após saques em casas de bandidos e cidadãos de bem. No afã de colocar a mão nos tesouros do tráfico, o grupo de policiais da banda podre foi varrendo tudo o que encontrava pela frente.
Um ano depois, a opinião pública ainda não teve acesso ao resultado das investigações da Corregedoria Geral Unificada, que conseguiu descobrir as ilegalidades praticadas pelos policiais porque haviam infiltrado agentes na operação que contou com o apoio decisivo das forças armadas. Apesar da pouca transparência, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio cuidou para que os abusos praticados no Alemão não fossem repetidos na Rocinha, uma das maiores favelas da América Latina, com cerca de cem mil habitantes, segundo censo do governo do estado. É verdade que pelo poder que representa nas urnas a Rocinha sempre recebeu um tratamento VIP das autoridades no Estado do Rio. Mas dessa vez o governo do estado não queria correr o risco de ver uma bem planejada operação de ocupação -- que já começou vencedora, com a prisão do chefe do tráfico antes da chegada das forças de segurança -- ser manchada pelos erros cometidos no Alemão.
Como fui um dos primeiros a ser informado dos abusos praticados no Alemão -- por meio de fontes da própria comunidade -- também fiquei atento a esse aspecto durante a ocupação policial na Rocinha, onde estive por cerca de três horas no domingo passado, conforme reportagem publicada também no jornal O GLOBO. Logo nas primeiras horas, entrei em contato com minhas fontes na favela e, para minha satisfação, fiquei sabendo que não havia qualquer denúncia contra abusos praticados por policiais.
-- Os policiais do Bope estão agindo com toda a educação, inclusive pedindo gentilmente para entrar nas casas das pessoas, em busca de criminosos -- disse uma de minhas fontes.
[Após a lição de cidadania dada pelos policiais do Batalhão de Choque, que não se venderam por R$ 1 milhão, tive vontade de mandar um telegrama parabenizando o Batalhão de Operações Especiais, cujas atrocidades tornaram-se conhecidas no livro "Elite da Tropa', que deu origem ao filme 'Tropa de Elite"]
Dias depois a Defensoria Pública do Estado do Rio -- que chegou à favela no primeiro dia da ocupação -- confirmava que não houve registros de abusos e sequer de constrangimentos dos moradores, por parte de policiais. Para mim esse é o grande avanço no combate ao crime no Rio. Como detentora do monopólio do uso da força, a polícia precisa saber empregá-la. A ocupação da Rocinha provou que é possível a polícia trabalhar sério e respeitando justamente o que ela é a maior responsável por zelar -- o cumprimento das leis. Polícia sem lei nem regras é o estado policialesco sem apreço pela cidadania. A polícia trocou a letalidade pela legalidade.
Sem alarde, pode ter sido virada uma página importante da crônica policial do Rio. Espero sinceramente que tenha chegado ao fim a época em que policiais truculentos, sem mandato judicial nem vergonha, metiam o pé nas portas dos barracos nas favelas e periferia da cidade, tratando todos como suspeitos até que se provasse o contrário. E, ao mesmo tempo, sem dar moleza para os bandidos.
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