PACIFICAÇÃO - A ORDEM MILITAR NÃO PODE SUBSTITUIR A REPUBLICANA
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PACIFICAÇÃO - A ORDEM MILITAR NÃO PODE SUBSTITUIR A REPUBLICANA


Pacificação de favelas. Alba Zaluar: A ordem militar não pode substituir a republicana - JORGE ANTONIO BARROS, Blog Repórter de Crime, 16/11/2011

A antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do NUPEVI, Instituto de Medicina Social da UERJ, pesquisa a violência ligada ao tráfico desde 1980, quando começou a pesquisa na área de Cidade de Deus que foi palco da primeira grande guerra entre traficantes na cidade do Rio de Janeiro. Publicou inúmeros livros e artigos sobre esse tema e outros correlatos. Fico honrado por ela atender a um pedido meu para escrever neste blog. Aproveito para dizer a outros pesquisadores que o blog está aberto aqueles que desejem se manifestar sobre a questão da segurança pública e da criminalidade no Rio e em todo o país.

Por Alba Zaluar, especial para o blog Repórter de Crime

Há uma série de equívocos quanto aos significados e objetivos da operação para reconquistar territórios da cidade dominados por poderes despóticos.

O primeiro é que não se trata de uma invasão ou uma incursão como se fazia durante décadas sem nenhum resultado. Hoje, pelo projeto das UPPs, a ocupação das favelas antes dominadas por comandos de traficantes ou de paramilitares (erroneamente chamado de milícia) deve ser entendida como a reconquista do território para o estado de direito em que se restabelece os direitos fundamentais da cidadania. Entre eles, o direito à vida (antes traficantes matavam quem ousava se interpor a eles, ou quem apenas era alvo de suspeitas e morrem muito); ao ir e vir (antes moradores estavam proibidos de ir a territórios “inimigos”), à propriedade (antes, nas favelas dominadas, moradores que desagradavam ou ousavam fazer críticas aos bandos eram expulsos e perdiam suas casas), o acesso à justiça para mover ações contra os que provocam danos (antes protestar por qualquer coisa poderia significar a expulsão ou a morte), à saúde (antes médicos e enfermeiros muitas vezes eram constrangidos no exercício de sua profissão em tais locais e ambulâncias não podiam entrar porque eram alvo de exigências tais como levar armas e drogas a algum lugar), aos demais serviços públicos sem extorsão de intermediários (água, luz, gás engarrafado ainda eram vendidos nesses locais via associação de moradores também dominadas por tais comandos de traficantes ou paramilitares). Até mesmo o direito de poder utilizar um veículo para ir até a sua casa levando material de obra, ou, ao contrário, para sair de sua casa levando um doente, uma mulher grávida, um cadeirante até o a unidade de saúde onde poderia ser atendido.

O segundo é que não se pode afirmar que o poder público inexistia nas favelas e que traficantes e paramilitares substituíam o estado. O poder público sempre esteve presente, mesmo que incompleto ou insuficiente, em escolas e postos de saúde, unidades bastante espalhadas pela cidade, fruto dos movimentos sociais que trabalharam para isso desde os anos 1970. O que faltava em tais territórios dominados era o policiamento e o acesso à justiça, o que acarretava a exploração até mesmo dos serviços públicos já existentes como a água encanada e a eletricidade. Nesse sentido, o poder público que agora se instaura equivale ao estado de direito acima definido.

Porém, o poder público, para se exercer com legitimidade, precisa ter a sua face pública clara e transparente. Não se trata de jogar para a plateia da cidade, do país e do mundo, via mídia, mostrando projetos que não terão continuidade ou nos quais a população não foi ouvida nem participa como deveria. É preciso lembrar que não existe poder público sem essa legitimidade que lhe é conferida pela população local. Para isso, é preciso respeitar o associativismo já existente nesses locais e a sociabilidade entre os vizinhos. Poder público não equivale a ter policiais ou militares tomando conta de tudo, ensinando todos os esportes e atividades culturais que esses moradores já conheciam e para as quais sempre tiveram professores locais.

O terceiro é que não se pode ignorar que, no primeiro momento, o de desarmar e afastar os traficantes ou os paramilitares da favela e do bairro popular, a via militar é imprescindível. Todavia, ela deve ser sempre precedida e acompanhada pelos serviços de inteligência (e de corregedoria) das várias instituições envolvidas. O que aconteceu na Rocinha foi exemplar, pois tivemos uma ação coordenada entre a PM, a PC, a PF para impedir a fuga dos traficantes e dos policiais corruptos, sempre a eles associados para ganhar a maior parte dos lucros obtidos na atividade econômica ilegal do tráfico.

A permanência de militares, incluindo os policiais militares, até que a vida retorne ao normal e que tenha passado o medo de que os antigos dominadores voltem também é necessária. Mas é preciso dar meios para que a população local se reorganize e tome as rédeas das atividades locais, inclusive os projetos sociais financiados pelo Estado e por empresas privadas. Não se pode é manter policiais ou militares ensinando, com seus métodos de caserna, crianças e jovens pobres que têm outros padrões de comportamento. O grande perigo é que se institua, nesses locais, não a ordem pública republicana em que todos têm direito à voz, mas uma ordem militar pensada em termos de hierarquia rígida, onde o que vale é a autoridade (ou o poder) do superior hierárquico.

Finalmente, é preciso ter sempre em mente que sem confiança na (s) polícia (s) não há segurança pública. Portanto, combater a corrupção policial é fundamental para o êxito do projeto que quer mudar a política de segurança no Estado do Rio de Janeiro. O primeiro passo já foi dado: ter consciência da profundidade do problema e começar a identificar seus principais agentes. Mas não se pode parar nem esmorecer por razões corporativas ou partidárias.



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