Justiça
OS PARDAIS E A ÉTICA
Vamos imaginar, prezado leitor, que você está dirigindo numa rodovia, preocupado com um compromisso, para o qual está atrasado, quando um policial sinaliza para que pare o veículo. O patrulheiro pede os documentos, os examina e informa que o carro estava acima do limite de velocidade.
“Só me faltava isso”, você pensa, “vou chegar atrasado, levo prejuízo com a multa, ganho pontos na carteira e perco o desconto do IPVA”. O policial, percebendo sua desolação, sugere que pode dar um jeito.
Se você amigo leitor, ou amiga leitora, reagir com indignação e responder “por gentileza, senhor policial, estou com pressa, então lavre imediatamente essa multa antes que eu o denuncie a seu superior”, parabéns. Você é um cidadão que tem o direito de indignar-se com a corrupção, com a desonestidade e com a falta de ética.
Mas se você hesitou, se pensou “bem, isso resolveria o problema, evitaria um prejuízo e indesejáveis pontos na carteira; além disso, sou um cidadão de bem e pago em dia meus impostos”, desculpe-me a petulância, mas do ponto de vista ético você não é diferente dos personagens mostrados na reportagem do Fantástico sobre as licitações públicas.
Eles são empresários ou empregados diligentes na condução de seus negócios, preocupados com a concorrência – muitas vezes desleal, que reclamam da carga tributária escorchante e que não veem nada muito sério em burlar alguns dispositivos legais e fazer a alegria de algum servidor público menos honesto, se isso for bom para os negócios e ajudar a manter o emprego dos colaboradores.
O efeito da câmera escondida e o tom da narração da reportagem dão a impressão de que estamos diante de um fato inusitado. Não é verdade. O fato é grave, sim, mas não incomum. A falta de ética evidenciada na matéria é semelhante à de quem inventa despesas médicas na declaração de imposto de renda; compra atestado médico para faltar ao trabalho; adquire produtos contrabandeados; instala programas pirateados; cola na prova; fura a fila; ou estaciona na vaga para deficiente, sem sê-lo.
Uma sociedade que reverencia os que “levam vantagem em tudo” e aceita o “jeitinho” como uma norma social não é coerente quando se escandaliza com as imagens de fornecedores oferecendo suborno para vencer uma licitação; ou de uma deputada recebendo propina; ou de vereadores ganhando diárias para fazer turismo.
LEONARDO JOSÉ ANDRIOLO - AUDITOR PÚBLICO EXTERNO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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