REVISTA ISTO É N° Edição: 2339 | 19.Set.14
Novidade no Movimento dos Sem-Terra, protestantes, historicamente conservadores, se dividem entre devoção religiosa e militância política pela reforma agrária no interior do País
Rodrigo Cardoso É cada vez maior o número de evangélicos no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Eles têm assumido papéis de liderança nos assentamentos e conseguem se dividir entre os compromissos religiosos e a militância política. Os protestantes, pentecostais em sua maioria (leia quadro), são uma novidade no movimento criado na década de 1980. Mas a origem da luta pela reforma agrária no Brasil tem um forte DNA religioso, graças a parte da Igreja Católica, que há 40 anos se posiciona contra os interesses dos grandes proprietários de terra por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPP). Atentos às denominações evangélicas que se assentaram nas organizações do campo, uma série de pesquisadores que estudam a relação entre religião e reforma agrária tem observado esse fenômeno. “Trata-se de um novo agente religioso que reivindica políticas sociais para o desenvolvimento rural”, diz o sociólogo Fábio Alves Ferreira, autor de “Pentecostais e a luta pela terra no Brasil – deslocamento e equivalências entre identidades religiosas e agentes sociais em assentamentos de reforma agrária”, tese de doutorado defendida no ano passado na Universidade Federal de Pernambuco. O curioso, segundo os acadêmicos, é que a teologia pentecostal costuma enfatizar uma espiritualidade mais individualista e menos coletiva. Para eles, a experiência de Deus no coração seria suficiente. Mesmo assim, os fiéis dessa corrente têm se envolvido em ações políticas coletivas.
NA LUTA
Por acreditar que estão brigando pela terra por um chamado de Deus,
os protestantes do MST tendem a ser mais perseverantes e obstinados
Um exemplo é Elisabeth de Oliveira Costa, 41 anos, no MST há cinco. Uma irmã da Assembleia de Deus, igreja que ela frequenta, a levou para conhecer “o grupo que estava ganhando terras do governo”. Elisabeth se identificou com a causa, fez um curso de militância e foi convencida a fazer parte da equipe de educação do acampamento Luiza Ferreira, em Moreno, região metropolitana do Recife (PE). Hoje, ela preside a associação de mulheres agricultoras rurais no local. “Sou socialista, mas antes morria de medo dos sem terra. A vida melhorou muito. Como o que planto e colho”, diz. Autora de uma tese de doutorado da Universidade de São Paulo (USP) sobre as relações entre os movimentos sociais e as religiões em dois assentamentos paulistas, a socióloga Marluse Maciel refuta uma visão unilateral que pesa sobre os evangélicos. “Acham que são apáticos à política e vulneráveis a opiniões externas. Mas participam de movimentos sociais e ocupam terras”, diz ela.
COMPANHEIRA
A evangélica pernambucana Elisabeth fez curso de militância no MST
e preside uma associação de mulheres agricultoras rurais. "Sou socialista", diz
No acampamento Herbert de Souza, também em Moreno (PE), e no assentamento Luiza Ferreira, ambos do MST e estudados pelo sociólogo Ferreira, os militantes pentecostais são, respectivamente, 30% e 90%. A interiorização dos evangélicos, grupo que tem crescido de forma significativa em zonas rurais, é um dos motivos que os aproximam do engajamento social, uma vez que a luta por terras se dá no interior. Em 2010, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou a existência de 4,4 milhões de fiéis em zonas rurais, cerca de nove vezes mais do que o registrado dez anos antes. “Por acreditar que estão lutando pela terra por um chamado de Deus, essas pessoas tendem a ser mais perseverantes. Isso gera uma força muito grande ao movimento”, diz o professor Agnaldo Portugal, do departamento de filosofia da Universidade de Brasília (UnB). Ciente disso, o MST – que foi procurado, mas não quis se manifestar sobre a reportagem – conduz essa força religiosa para uma prática política.
Com 30 anos de lutas sociais no currículo, a assentada Maria Solange Barbosa, 65, vive em Bela Vista do Chibarro, uma antiga fazenda de café, na região de Araraquara, interior paulista. Na agrovila de cerca de 120 casas existem cinco igrejas evangélicas. “Conheci muita violência no início da minha militância, pancadaria era o meu símbolo”, diz ela, fiel da Assembleia de Deus, que enfrentou madeireiro de arma em punho e foi ameaçada de morte. “Hoje, não vou deixar de lutar pelos nossos irmãos, mas não vou tomar nada de ninguém.” Apesar de vários evangélicos participarem do movimento, nenhuma denominação apóia oficialmente o MST. Os fiéis, porém, não abandonam a crença para levar adiante uma identidade social. Para se livrarem do pecado de estar tomando o que seria de outra pessoa, passam, de acordo com o sociólogo Ferreira, a interpretar a “Bíblia” pelo próprio olhar e não mais pelo viés do líder religioso. “Quando Deus criou o mundo, deu terra para todos. Ele não queria que um grupo morasse na favela”, afirma a militante Elisabeth. São reinterpretações como essa que têm amparado a atuação do militante evangélico pela reforma agrária.
Fotos: Montagem sobre foto de Roberto Castroe Alexandre Sant’anna
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