ARTIGOS
por Moisés Mendes*
A magistratura é uma atividade de alto risco. Juízes são submetidos a pressões e ameaças e enfrentam cotidianamente a tentação de largar tudo e ir embora. Vou relacionar, a partir do que foi fartamente divulgado este ano pela imprensa, alguns motivos apontados como eventuais causadores dos raríssimos casos de desistência precoce da atividade, do mais singelo aos mais complexos.
1. O primeiro é banal. O juiz terá de se submeter ao comando institucional de um colega do qual discorda em quase tudo. Vai embora e livra-se da liderança de alguém que já se submeteu ao seu comando. Esse, claro, não é um motivo explicitado.
2. Outro motivo apenas implícito. Decisões relevantes para a formação da imagem pública do juiz serão submetidas a outros magistrados. Podem ser ratificadas ou revisadas. O juiz não aceita questionamentos da sua sabedoria. Sai e deixa um dilema para quem fica: a revisão do que ele fez pode significar, para a média da chamada opinião pública, uma conspiração dos colegas contra o seu esforço moralizador.
3. O juiz entende que já fez tudo de mais grandioso pela Justiça. Julgou um caso momentoso, foi valente enfrentando corruptos graúdos e deu sua missão por encerrada. Que casos semelhantes, com corruptos da mesma envergadura, à espera de julgamento, sejam levados à apreciação de quem fica. O que interessa é que o juiz saia com um grand finale.
4. Na última hipótese, o juiz decide sair porque vem sendo ameaçado por supostos cúmplices de réus que acabou de condenar. É um motivo explicitado.
Troca-se de profissão, de amor e de casa sem explicações públicas. Você conhece juízes, promotores, jornalistas, advogados, engenheiros que viraram donos de pousada, astrólogos, padeiros, artesãos. E daí?
Mas se os juízes desconfortáveis com lideranças institucionais, ou com a hipótese de terem deliberações revisadas ou ainda receosos com eventuais ameaças abandonassem o que fazem, a reputação da Justiça no Brasil estaria aos frangalhos.
Importa que os juízes resistem. Quem mora no Interior sabe o que significa para todas as instituições aquele que muitas vezes é o único juiz da cidade. Que faz a mediação de conflitos de família, contemporiza brigas de vizinhos por meio metro de pátio e preside o júri dos traficantes que eliminaram os rivais.
O juiz de primeira instância precisa entender os humores da cidade e fazer cumprir a sua autoridade. Ele é a figura mais valente do Brasil. Quando esse juiz desiste, não há justiça em Xapuri, em Anapu, em São Gonçalo ou em Sananduva.
Juiz de primeira instância convive, nas ruas das cidadezinhas, com os arremedos de Fernandinho Beira-Mar, dos matadores de Chico Mendes e de Irmã Dorothy, dos jagunços e poderosos. Que se respeite a decisão dos que vão embora para escapar dos que um dia podem matá-los.
Se você quer um juiz como herói, e se você rejeita moralismos seletivos, escolha o juiz da sua cidade, ou o que já passou por aí, que sobreviveu às pressões políticas do tempo da ditadura, que peitou máfias camufladas, que julgou e condenou bandoleiros e resistiu.
Ajude a erguer uma estátua simbólica, no imaginário da cidade, ao juiz de primeira instância. Fique com o juiz que resiste para defender a cidade.
O Tribunal de Contas do Estado homenageou na quinta-feira um grupo de profissionais, em “reconhecimento à defesa do interesse público e dos valores republicanos”. Fiz parte do grupo, ao lado do economista Francisco Gil Castello Branco Neto e dos jornalistas Cyro Silveira Martins Filho, Fernando Albrecht e Telmo Ricardo Borges Flor.
É uma honra ser reconhecido por uma instituição civilizadora da atividade pública, na gestão liderada pelo presidente Cezar Miola, e ainda receber a escultura O Gaúcho, assinada por Gloria Corbetta. Ganhei minha Copa.
*JORNALISTA