Fabíola Perez Os tribunais de Justiça são órgãos colegiados constituídos por desembargadores, os juízes de segunda instância. Suas decisões são tomadas em conjunto e se sobrepõem às dos magistrados de primeira instância. Por isso, causou incredulidade o fato de o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ter minimizado a gravidade do sexo com menores de 14 anos em recente decisão. Três desembargadores paulistas inocentaram o fazendeiro Geraldo Brambilla, 79 anos, acusado de ter estuprado uma menina de 13 anos. A decisão, criticada por entidades que defendem os direitos da criança e do adolescente, considerou que a garota era prostituta e que o réu teria sido induzido a acreditar que ela seria mais velha. Vinda de quem deveria zelar pela lei, a deliberação suscitou espanto também por ferir a legislação (leia quadro). Ela se choca com artigos do Código Penal, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e com a própria Constituição Federal.
Em fevereiro de 2011, o fazendeiro foi pego em flagrante com duas garotas, de 13 e de 14 anos, dentro de sua caminhonete em um canavial da zona rural de Pindorama (SP). À época, ele chegou a ser condenado em primeira instância a oito anos de prisão, mas ficou detido por apenas 40 dias. “A absolvição é uma licença para a exploração sexual”, afirma Ariel de Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. No acórdão, o relator Airton Vieira até admite que menores de 14 anos são vulneráveis, mas acolhe a defesa do fazendeiro. “Não se pode perder de vista que, em determinadas ocasiões, podemos encontrar menores de 14 anos que aparentam ter mais idade, mormente nos casos em que se dedicam à prostituição, usam substâncias entorpecentes e ingerem bebidas alcoólicas, pois em tais casos é evidente que não só a aparência física como também a mental desses menores destoarão do comumente notado em pessoas de tenra idade”, escreveu.
O histórico do desembargador mostra seu pouco apego às questões que envolvem direitos humanos. Quando atuava como juiz da 28ª Vara Criminal de São Paulo, Vieira, 49 anos, chegou a defender a pena capital. “Não tenho nenhum constrangimento em assumir que sou favorável à pena de morte e à prisão perpétua”, afirmou. Ele teve também o nome incluído em uma lista criada pela OAB paulista da qual constavam 54 juízes considerados “inimigos da advocacia” e que já foram alvo de queixas e processos de colegas. Os outros desembargadores que seguiram o relator são: Hermann Herchander, 55 anos, procurador de Justiça, no TJ desde 2008, e Waldir de Nuevo Campos Júnior, 55 anos, que atuou como magistrado em diversos municípios do interior de São Paulo e ingressou no TJ em 2009.
A decisão ressoou ainda mais por ter ocorrido meses após a presidenta Dilma Rousseff sancionar a lei que torna hediondo o crime de favorecimento da prostituição e de exploração sexual de crianças e adolescentes e dias antes de o ECA completar 24 anos. “A impunidade é um retrocesso, e o Judiciário não pode trilhar caminho oposto à lei”, afirmou à ISTOÉ a ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti. “Infelizmente, temos juízes que utilizam argumentos conservadores para absolver exploradores”, diz Miriam Maria José dos Santos, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Embora o fazendeiro tenha afirmado à Justiça que se enganou quanto à idade da jovem, o conselheiro tutelar de Pindorama, David Elton Gramacho, conta que o homem conhecia a garota havia mais de um ano. “Ele a convidava para dar voltas de carro pela região”, diz. Foi a irmã mais nova da menina que acionou o conselho. Uma delas disse que não era a primeira vez que fazia sexo com o réu em troca de dinheiro. Gramacho diz que ambas vieram de famílias desestruturadas e que a de 13 anos havia sido incitada pelo pai a trocar sexo por dinheiro. “Ela não era prostituta, fez sexo por dinheiro umas três vezes quando se viu sem crack”, diz. Na semana passada, a assessoria do TJ informou à ISTOÉ que os desembargadores não iriam atender à reportagem, pois “não podem se manifestar sobre processo em segredo de Justiça”. O Ministério Público de São Paulo ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vale lembrar, no entanto, que, em 2012, o STJ chegou a inocentar um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos. Somente após um embargo do Ministério Público Federal, o STJ suspendeu a decisão.