O REFLEXO DO DESESPERO
Justiça

O REFLEXO DO DESESPERO




ZERO HORA 25 de junho de 2014 | N° 17840

ARTIGOS

ALINE DORALSTEFANI FAGUNDES*




O juiz vive de uma amostragem viciada, ou seja, em tese, somente se depara com o que já não deu certo. Está adstrito à prova dos autos, o que não quer dizer, porém, que não visualize além do processo. O juiz, pasmem, vai a supermercado, tem empregada, tem parentes que são empregados, frequenta lojas, contrata serviços. Enfim, ainda que alguns juízes pensem que são deuses (e alguns têm certeza), na verdade é diante de algumas ações que realmente surge a dúvida se foi esquecido o fato de que o juiz é uma pessoa absolutamente normal. Para mentir, portanto, é recomendável tentar se manter pelo menos dentro dos limites da química, física e matemática, o que nem sempre acontece.

Ao longo dos anos, pode-se perceber uma nítida alteração do perfil das ações. Lembro do meu avô, que contava com orgulho ter ganhado a vida tropeando gado, sem nunca ter pedido ou dado um recibo que não fosse verbal. Mas não sou juíza há tanto tempo assim. Aliás, nem “sou” há tanto tempo assim. Minhas referências coletam dados de pouco mais de oito velozes anos de magistratura, que já trazem marcas da “evolução”. Evidentemente que mentira sempre existiu e sempre existirá. Não sei, porém, se é a velhice que está me fazendo rabugenta ou se o perfil das demandas é que está se agravando. Possivelmente, um pouco de cada.

Acredito que estejamos vivendo o reflexo do desespero. A dificuldade financeira e a parca perspectiva de sair dela, associadas à perda do orgulho pelo valor da palavra, alimentam um crescente mercado de pedidos ou defesas infundadas. Dentro de limites da boa-fé, até a isso o juiz tem que ser sensível e encontrar serenidade para ouvir com paciência e cautela o que a um primeiro momento pode parecer um absurdo. Infelizmente, um expressivo volume de demandas revela um enorme desperdício de tempo e dinheiro público para dizer que nada é devido ou para mandar pagar o básico do básico. Isso é do jogo. Lamento, porém, pelo congestionamento de processos que acaba por trancar o trâmite de quem está sofrendo pelo que realmente é devido e, se demorar, talvez não adiante mais.


JUÍZA DO TRABALHO SUBSTITUTA


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não é "do jogo", o "volume de demandas" que "revela um enorme desperdício de tempo e dinheiro público" e que leva ao "congestionamento de processos que acaba por trancar o trâmite de quem está sofrendo pelo que realmente é devido", mas produto da falta de sistema, da burocratização, do corporativismo, do distanciamento, da "separação" do Estado constituído, da insuficiência de juízes e servidores, da dependência de outros poderes, da ingerência política e da falta de vontade dos magistrados em aumentar o número de juízes e servidores e em exigir do Legislativo uma ampla e reforma da justiça brasileira para torná-la mais eficiente, voltada à finalidade pública e próxima dos direitos do povo contra as ilicitudes. Recomendaria a leitura deste artigo aos legisladores que representam o povo a aos magistrados que aplicam a lei e com poder de decisão para exigir uma ampla e profunda reforma judicial no Brasil. Está na hora dos magistrados exigirem soluções das mazelas que impedem a eficácia da justiça no Brasil, entre elas os obstáculos que obstruem a construção de sistemas e a incapacidade de juízes e servidores no atendimento da finalidade pública do poder e da inoperância diante das demandas que crescem e se amontoam nos arquivos do poder, sobrecarregando os poucos juízes e servidores e causando "desespero" nas pessoas que precisam de uma pronta decisão da justiça, privilegiando o Estado e os poderosos que têm vários recursos para prolongar por muitos e muitos anos, passando gerações a ver navios e fomentando a impunidade dos réus.



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