Em duas sessões do ano passado, ministros ensaiaram julgar destino do processo cível do valerioduto tucano. Nenhum deles sabe explicar por que ação saiu de pauta
POR EDUARDO MILITÃO | CONGRESSO EM FOCO 26/08/2013 07:14 Um mistério ronda o Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio do ano passado, o então presidente da corte, Carlos Ayres Britto, chegou a chamar o julgamento da ação cível, aquela que permite a recuperação de recursos desviados, do mensalão mineiro, também conhecido como valerioduto tucano. Por algum motivo, que nem Ayres Britto nem os demais ministros sabem explicar, o processo saiu da pauta. E não voltou mais. Esta foi a primeira denúncia envolvendo o esquema de caixa dois do empresário Marcos Valério Fernandes com políticos a chegar ao Supremo, ainda em 2003, dois anos antes, portanto, das primeiras acusações que abalaram o governo petista, como revelou a Revista Congresso em Foco. Enquanto a ação cível contra os tucanos não sai da gaveta, o Supremo já condenou 25 réus envolvidos no esquema de desvio de dinheiro montado pelo PT e analisa agora os respectivos recursos.
O Congresso em Foco teve acesso à íntegra da transmissão das duas sessões em que o Supremo ensaiou julgar o mensalão mineiro – de acordo com o Ministério Público, um esquema de desvio de dinheiro do governo tucano de Minas Gerais em benefício da campanha eleitoral do hoje deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e do atual senador Clésio Andrade (PR-MG), que disputaram o governo estadual em 1998.
Produzido pelo site com base em imagens da TV Justiça, o vídeo acima mostra a tentativa do então presidente e relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, de levar a julgamento uma questão técnica para destravar o andamento da denúncia do Ministério Público, proposta em 2003 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.
Apesar de pautado duas vezes em maio de 2012, a última antes do intervalo para um lanche, o caso não foi julgado até hoje. Duas semanas depois, em 6 de junho de 2012, o STF definiria o calendário do mensalão do PT. Ayres Britto disse que esse calendário contribuiu para adiar o valerioduto do PSDB. “Qual foi a intercorrência? O mensalão. Fizemos uma pauta temática para ganhar um pouco de tempo enquanto não viesse o julgamento do mensalão”, disse ele.
Ouvidos pela reportagem nas últimas semanas, os ministros disseram não se lembrar de eventuais conversas no cafezinho que teriam tirado o mensalão mineiro de pauta pela segunda vez.
Joaquim: “Por que não julgar o mensalão mineiro?”
Ministros em faltaO objetivo do julgamento do mensalão mineiro nem era o conteúdo da denúncia da primeira versão do valerioduto, mas apenas julgar se um caso de improbidade administrativa como aquele deveria ser analisado pela Justiça de primeira instância de Minas Gerais ou pelo próprio STF. Em 2005, o Supremo já havia decidido, na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 2797, que situações de improbidade deveriam ser analisadas nos estados, sem direito a foro privilegiado para deputados e senadores. Mas Eduardo Azeredo e Ruy Lage, outro réu no mensalão do PSDB, recorreram para manter o caso no Supremo.
Em 16 de maio de 2012, os ministros tinham acabado de julgar justamente recurso sobre a Adin 2797, cujas decisões determinaram que casos de improbidade deveriam correr nos estados, sem foro especial.
Ao anunciar o julgamento do recurso no mensalão mineiro cível (petição PET 3067), Ayres Britto, relator do caso, informa que o ministro Gilmar Mendes havia pedido o adiamento do caso. O motivo era a ausência de Dias Toffoli e Celso de Mello no plenário. Pela mesma lógica, também seria adiado um outro processo semelhante (PET 3030), que decidiria se mantinha no Supremo ou mandava para a primeira instância de Rondônia uma ação de improbidade contra políticos locais.
“Por que não julgar?”Inicialmente, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio questionam o motivo de adiar o mensalão mineiro e o outro processo. O atual presidente do STF lembra que, pouco antes, haviam acabado de julgar uma Adin sobre o mesmo tema com a ausência de ministros.
“Se nós julgamos o mais importante, por que não podemos julgar o agravo regimental [no mensalão mineiro]?”, questionou Joaquim. “É consequência do que ficou acertado ainda há pouco”, continuou.
Ricardo Lewandowski é um dos que defendem o adiamento para a semana seguinte, quando o plenário estivesse completo. Ayres Britto se diz, então, pronto para julgar o valerioduto do PSDB, mas consulta o plenário. Joaquim Barbosa desiste da tese e apoia a postergação do caso, mas Marco Aurélio mantém-se contra. “Há quórum até para matéria de maior envergadura [Adin]”, reclamou. O caso é adiado para 23 de maio de 2012.
Voto longoNaquela data, os ministros julgam o outro caso de improbidade administrativa, a PET 3030. Como era de se esperar, mandam o processo para a primeira instância de origem. Chega a vez de julgar a PET 3067 e Ayres Britto anuncia seu voto. “Mas é um voto longo. Faço o pregão propriamente dito quando do retorno”, disse ele. Os ministros vão para o lanche.
Entretanto, o presidente volta do intervalo e não chama o processo. Procurado pela Revista Congresso em Foco, o hoje ex-ministro diz que provavelmente não teve condições de pautar o processo na volta do intervalo. “É porque eu não obtive condições de colocar [em votação]”. “Sou uma pessoa atenciosa, eu converso com os ministros, ninguém vai me negar essa qualidade de buscar a todo instante o consenso”, disse ele.
O voto de Britto fora feito em 2005, determinando a remessa da papelada do mensalão mineiro para a Justiça de primeira instância de Minas Gerais. O ex-ministro é um conhecido opositor do foro privilegiado. O caso agora está com o ministro Roberto Barroso, que ainda não estudou o processo porque, segundo sua assessoria, está concentrado nos embargos de declaração do mensalão do PT.
Os mensalõesNo caso do PT, o Supremo condenou réus por esquema que desviou dinheiro público e privado para a compra de apoio político de deputados durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula por meio do empresário Marcos Valério e dos bancos Rural e BMG entre 2002 e 2004. O esquema, segundo a PGR e o STF, era chefiado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
No caso do PSDB, o Ministério Público abriu três ações no STF por esquema de desvio de dinheiro do governo de Minas Gerais em benefício da campanha eleitoral do hoje deputado Eduardo Azeredo e do atual senador Clésio Andrade, que disputaram o governo estadual em 1998. Os valores foram repassados, segundo a denúncia, por patrocínios operados pela agência de publicidade de Marcos Valério.
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