Justiça
O MAGISTRADO DE 2,8 MIL PROCESSOS
ZERO HORA 26 de março de 2013 | N° 17383
SANTA MARIA, 27/01/2013
O magistrado de 2,8 mil processos
LETÍCIA COSTA
Apesar da fala calma e do semblante fechado aparentar, o juiz da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada, 55 anos, não é uma pessoa reclusa. Jogador de futebol amador, ele figura nas colunas sociais dos jornais da cidade. Agora, mais do que nunca, deve ter suas decisões perseguidas pelos olhos da imprensa. É ele que receberá a denúncia do Ministério Público (MP), onde estarão os acusados criminalmente pela morte de 241 pessoas no incêndio da boate Kiss. Há quase três décadas formado em Direito, Louzada é professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Na aulas onde aborda os meandros do Processo Penal, terá de conter a curiosidade dos estudantes sobre o processo em que o mundo está de olho.
Com cerca de 1,4 mil júris realizados e com aproximadamente 2,8 mil processos para julgar, ele não teme a repercussão e considera este mais um dos tantos desafios que enfrenta na carreira. Desde que entrou na profissão, tem o objetivo de “tentar, de alguma forma, diminuir as dores do mundo”.
– As pessoas têm de esperar de mim tranquilidade para que haja efetividade no processo e que, no final, por meio de uma sentença, o Judiciário possa dar uma resposta, seja condenando ou absolvendo. O povo de Santa Maria quer uma resposta, preciso manter o equilíbrio – avalia.
É esta pressa por Justiça que magistrado precisa lidar a partir de agora. Louzada sabe que o caso é de extrema importância, mas diz que irá se dedicar igualmente como faz com os outros tantos processos que chegam à 1ª Vara Criminal de Santa Maria.
Ao receber, na tarde de sexta-feira, a reportagem de Zero Hora no Fórum de Santa Maria – onde estavam os 52 volumes e as 13 mil páginas do maior inquérito policial da história do Estado –, Louzada não arriscou um prazo para o julgamento e possíveis condenações. Alega que, após a denúncia do MP chegar para ele, ainda existem muitos recursos que podem ser solicitados pelas defesas. Sem ter perdido ninguém conhecido na tragédia, Louzada garante imparcialidade na decisão.
Um clamor pelo Tribunal do Júri
HUMBERTO TREZZI
Está nas calçadas. Está na Boca Maldita, tradicional ponto em que frequentadores de cafés comentam as últimas fofocas da cidade. Está nos bares, nas universidades e quartéis, verdadeiros motores da sociedade santa-mariense. A busca por Justiça é o assunto dominante. Só se fala na Kiss e na possibilidade de que 16 sejam submetidos a julgamento.
É quase consenso, em Santa Maria, que o julgamento deve ser lá. Mesmo entre aqueles que não podem, por dever de ofício, falar a respeito... mas sempre deixam escapar a opinião a parentes e amigos. Os 241 mortos e 623 feridos no maior incêndio da história gaúcha são motivos suficientes para que os 16 indiciados sejam submetidos a um júri popular, no qual pessoas escolhidas na comunidade santa-mariense (os jurados) darão o veredito.
Esse posicionamento, dominante entre membros do Ministério Público e do Judiciário de Santa Maria, esbarra em uma controvérsia. É que os autores do inquérito policial recomendam que o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) seja processado por homicídio culposo. Isso pode carregar todo o caso – não apenas a questão de Schirmer – para Porto Alegre.
Opinião nesse sentido tem, por exemplo, o desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, presidente da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (que julga prefeitos). Ele acredita que o fato de haver um prefeito citado (que tem foro privilegiado e, por isso, deve ser processado no TJ) faz com que todos os demais implicados também sejam processados na 4ª Câmara.
A verdade é que para a maioria dos crimes vale mesmo essa regra: se alguém tem prerrogativa de função, os demais crimes conexos e os demais agentes são julgados por um tribunal. Exemplo típico foi o do Mensalão, que acabou julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) porque vários ex-ministros eram réus.
Mas essa regra tem uma clara exceção, alerta o criminalista Aury Lopes Jr.: os crimes contra a vida. Mesmo que um dos réus tenha prerrogativa de função (o prefeito, no caso da Kiss) e os demais não, existe jurisprudência no STF de que deve haver cisão. Ou seja, o prefeito é julgado por desembargadores e os demais são julgados na sua própria cidade, num Tribunal do Júri. É que a competência do Tribunal do Júri é constitucional e a regra da conexão (que determina a reunião dos réus) não está na Constituição.
Trocando em miúdos: são escassas as chances de que os réus sejam julgados no TJ. Mais provável é que apenas Schirmer o seja, se for denunciado – algo que ainda não se sabe se ocorrerá.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A sobrecarga de 2,8 mil processos para julgar em cima de um único juiz evidencia que algo está errado no reino da justiça brasileira, fomentando conflitos, morosidade, impunidade, etc...Mas como não surgem reformas e soluções, parece que todo mundo está satisfeito com isto.
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