Carlos José Marques, diretor editorialA inaceitável morte de Santiago traz alertas importantes para a democracia brasileira. A escalada da violência promovida por bandos de vândalos, arruaceiros sem causa e extremistas desvairados passou de todos os limites e precisa ser contida – o quanto antes! – na letra da lei. O caráter fascistoide dos chamados black blocs já estava mais do que evidente quando eles se infiltraram nas manifestações de rua ainda em meados do ano passado, mas a indulgência generalizada para com os seus atos só aumentou o tamanho do problema. Setores da sociedade – de entidades de direitos humanos a organizações de classe – saíram em defesa de suas ações, levados por um liberalismo distorcido e inconsequente. A radicalização cresceu com pouca, ou nenhuma, resistência. Os black blocs, equivocadamente glamorizados como meros rebeldes, tomaram conta! Seguiram cometendo barbáries em nome de um anarquismo anacrônico e criminoso, até culminar com o lamentável atentado contra o cinegrafista Santiago Andrade. Não importa se Santiago estava na mira ou não de seus algozes. Foi a vítima fatal de um ataque inclemente contra toda a sociedade. Já está provado que, ao saírem com armas, mascarados e insuflados pelos piores sentimentos, os black blocs atuam como bandidos. Depredam o patrimônio, promovem agressões, aniquilam o direito à informação perseguindo jornalistas e até ceifam vidas. É imprescindível que respondam por isso. E os instrumentos para puni-los exemplarmente e, em alguns casos, trancafiá-los estão aí, sem necessidade de revisões. Os black blocs podem e devem ser enquadrados no Código Penal.
Não são meros manifestantes e, separado o joio do trigo, os protestos legítimos da baderna pura e simples, parece haver na outra ponta do processo riscos crescentes de se responder à violência com mais violência. Um irrefreável pendor autoritário grassa com fervor nesse ambiente. Movido pelo despreparo da força policial e por casuísmos vindos de alas populistas da política. É certo, a radicalização pode tomar corpo de várias maneiras. Na forma de um projeto de lei antiterrorismo como o que está em estudo no Congresso, por exemplo. De autoria do petista Paulo Paim, com um texto repleto de generalizações que abre margem a interpretações variadas, a proposta, em certos parágrafos, assemelha-se às piores leis praticadas no período dos regimes de exceção. Animados para surfar na indignação geral, parlamentares podem com ela inaugurar uma espécie de nova era de macarthismo à brasileira, na qual autoridades estariam municiadas para perseguir inclusive eventuais opositores do sistema ou desafetos. A lei antiterrorismo em discussão, nos termos em que está posta, não auxilia no processo. Só confunde as ações. De outra parte, o relaxamento ou leniência do aparato policial para com os extremistas contribuiu para entornar o caldo. Há de se perguntar: por que os comandos da PM, com todo o arsenal de informações e tecnologia disponível, não conseguiram aplicar inteligência às suas operações, de modo a distinguir criminosos, facilmente identificáveis, em meio aos populares que muitas vezes foram às ruas em protestos legítimos? Barrar o avanço da delinquência dos black blocs e de suas milícias, que transformam cidades em verdadeiros campos de guerra – e sabotam o impulso democrático de mobilização livre e ordeira para manifestar inconformismos –, é um desafio tão grande como o de garantir o funcionamento sereno e equilibrado das instituições. Vencer esses desafios será o maior legado em memória de Santiago.