O DESFECHO DO MENSALÃO
Justiça

O DESFECHO DO MENSALÃO



O Estado de S.Paulo 28 de fevereiro de 2014 | 2h 08


OPINIÃO


Seria apenas irônico, se o episódio não pudesse tisnar a imagem da nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF): parece ter sido finalmente provada a tese do PT de que o julgamento da Ação Penal 470 tem um componente predominantemente político. Uma "maioria de circunstância, formada sob medida", como afirmou em seu voto um inconformado ministro Joaquim Barbosa - mas, de qualquer modo, um colegiado diferente daquele que julgou o mensalão em 2012 -, reverteu a decisão original da Corte e absolveu José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e mais cinco do crime de formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do cumprimento da pena em regime fechado.

Essa nova decisão não livra da cadeia os ex-dirigentes petistas condenados agora a penas inferiores a 8 anos, mas oferece ao partido no poder o argumento, extremamente útil num ano eleitoral, de que seus ex-dirigentes não formaram uma quadrilha para comprar apoio parlamentar.

Agiram então, segundo o STF, por iniciativa individual, como criminosos avulsos. O que não impede de estarem inapelavelmente encarcerados.

A acusação de atuar politicamente, ou de armar "uma farsa", que a companheirada lançou contra a Suprema Corte quando percebeu que seus líderes seriam inevitavelmente condenados, foi uma tentativa, muito bem-sucedida pelo menos no que diz respeito à militância petista, de transformar em mártires criminosos como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino e preservar a imagem de um partido que alardeia ser monopolista da virtude.

Essa estratégia se tornou evidente durante a sustentação oral dos advogados de defesa dos petistas, na abertura do julgamento dos embargos infringentes. Numa ação obviamente articulada, relegaram a segundo plano as razões e os argumentos jurídicos para promover um ato de desagravo político aos seus clientes.

Todos os ex-dirigentes petistas que a Justiça colocou atrás das grades depois de um longo e meticuloso julgamento pela Suprema Corte transformaram-se, na retórica de seus causídicos, em heróis com admirável folha de serviços prestados ao País e injustamente condenados por um tribunal que se comportou como se fosse de exceção.

Ninguém mencionou, é claro, o fato de que 8 dos 11 ministros que então compunham o STF foram nomeados pelos governos petistas. Mas o defensor de Genoino foi mais longe: garantiu que o fato de o PT estar no poder há quase 12 anos é indesmentível "sinal de que o povo concorda com as práticas que vêm sendo adotadas". O que não é verdade.

O desfecho do julgamento do mensalão merece uma reflexão que, acima das paixões ideológicas e partidárias, contribua para o aperfeiçoamento institucional do Brasil. É impossível, por exemplo, haver estabilidade, precondição para o desenvolvimento, numa sociedade que não respeita suas instituições fundamentais. E o Judiciário é uma delas.

Pode-se discordar de suas decisões que, afinal, são tomadas por falíveis seres humanos. E, para garantir a incolumidade dos direitos individuais diante de eventuais erros da magistratura, existe uma ampla legislação processual. Mas questionar a legitimidade do Poder Judiciário e de seus agentes é conspirar contra a estabilidade institucional. Numa sociedade democrática a ninguém é dado esse direito.

Assim, é lamentável a necessidade de registrar e reprovar a insistência com que o presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, tem atropelado o decoro de um colégio de altos magistrados para se comportar com acintosa agressividade e intolerância sempre que seus pares divergem de seus votos. A recente elevação do tom desses rompantes pode sugerir que não se trata mais, apenas, de uma questão de temperamento irascível, mas de cálculo político.

Ainda falta o exame de embargos menos relevantes, mas é chegada a hora de o triste episódio do mensalão sair de cena - sem prejuízo de ações correlatas, como o chamado mensalão mineiro, ou tucano - para que a Justiça produza seus efeitos e continue a cumprir seu curso.



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