LÉO GERCHMANN*
VEIAS ABERTAS
As revelações de que o governo americano espionou a presidente Dilma Rousseff e o presidente do México, Enrique Peña Nieto, abrem crise diplomática e expõem a vulnerabilidade brasileira diante da voracidade dos programas de monitoramento dos EUA revelados pelo ex-analista Edward Snowden
Informações subterrâneas vieram à tona e criaram, na superfície do protocolo diplomático, o que está sendo considerado um grave e histórico abalo nas relações entre Brasil e Estados Unidos. As revelações segundo as quais a presidente Dilma Rousseff foi alvo da espionagem americana repercutiram com força no Palácio do Planalto. O governo brasileiro usou termos como “inadmissível”, “inaceitável”, “indignação” e “inconformismo”, e Dilma, após pedir esclarecimentos ao governo americano, pôs em dúvida sua visita a Washington, marcada para outubro.
– Queremos explicações. Manifestamos nosso inconformismo – disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deixando claro que o país sentiu ferida sua soberania.
A imprensa internacional chamava a atenção, como fez a CNN, que, pela primeira vez, tornava-se pública a espionagem de líderes de governos amigos. Para Obama, em meio à crise síria, trata-se de mais um tempero forte na salada indigesta de problemas.
Analistas dizem que o motivo da crise é a espionagem ter sido exposta.
– O problema é que se torna público algo de que já se tinha ideia. O Brasil já sabia da probabilidade de ser espionado. A crise é histórica – diz André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e autor do livro Guerra nas Sombras (Editora Contexto, 2013).
Woloszyn diz ser justificável a espionagem comercial, porque “saber os passos dos concorrentes é um passo para o sucesso”. Em termos “políticos”, porém, define o caso como “absurdo”.
Cobranças ao embaixador
Tão grave e tão absurdo, que ainda ontem, mesmo que fosse feriado nos EUA, Shannon se comprometeu perante o governo brasileiro a entrar em contato com a Casa Branca.
O chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, cobrara explicação do americano na primeira hora do dia e vociferara, nitidamente indignado:
– Isso representa uma violação inadmissível e inaceitável da soberania brasileira. Esse tipo de prática é incompatível com a confiança necessária à parceria estratégica entre os países.
Professor da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho definiu o caso como “grave”, apesar de não surpreendente, e “constrangedor”:
– Os EUA costumam definir o Brasil como parceiro prioritário na região. Quem olha a correspondência do outro, porém, na verdade não confia nele.
A espionagem se tornou conhecida em reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, exibida na noite de domingo. A matéria mostrava a presidente como alvo de escutas da Agência de Segurança Nacional (NSA), dos EUA. Documentos “ultrassecretos” foram obtidos pelo jornalista Glenn Greenwald com o ex-técnico da NSA Edward Snowden. Também Enrique Peña Nieto, presidente mexicano (então candidato), teria sido espionado. O embaixador americano no México também foi chamado a se explicar.
O Brasil já havia pedido explicações aos EUA e indicado que poderia levar o caso a organismos internacionais, depois que o jornal O Globo divulgou, em julho, que milhões de telefonemas e e-mails foram monitorados no país. O tema foi discutido na visita do secretário de Estado americano, John Kerry, em agosto. Na ocasião, o Brasil considerou as explicações insatisfatórias.
*Com agências