LEI SECA - Lei não aplicada, Autoridade e Sociedade Desmoralizada
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LEI SECA - Lei não aplicada, Autoridade e Sociedade Desmoralizada



RETROCESSO NAS RUAS. O prejuízo gerado pela imprudência. Um dos mais completos estudos brasileiros sobre embriaguez no trânsito calculou o dano anual com as mortes associadas ao álcool nas vias da Região Metropolitana - CARLOS ETCHICHURY, Zero Hora, 22/08/2010.

Qual o custo imposto a um pai de família obrigado a sepultar um filho de 20 e poucos anos vitimado pela mistura assassina de álcool e volante? Como medir o prejuízo causado a uma viúva diante do marido sem vida, abraçado pelos metais de um automóvel? Como dimensioná-los?

São perdas imensuráveis. Mas nem tudo é incalculável nesta carnificina diária. Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) chegou a uma soma tão surpreendente como assustadora. A partir de uma estimativa feita com 155 mortos de Porto Alegre e Região Metropolitana, comprovadamente embriagados e que chegaram ao Departamento Médico Legal em 2007, chegou-se a uma despesa de R$ 45 milhões por ano, ou R$ 291 mil por pessoa. Este cálculo corresponde ao prejuízo com os chamados, pelo estudo, custos indiretos – o valor que o morto deixa de gerar para a sociedade em salários e consumo.

A Lei Seca, implantada em 2008, é uma das legislações mais restritivas em vigor no mundo. Só que não funciona – pelo menos não como deveria. Porto Alegre, por exemplo, registrou aumento de mortes no trânsito (veja na página 5).

Diretor do Centro de Pesquisa de Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Flavio Pechansky costuma fazer uma pergunta no início de seus palestras:

– Quem já passou pelo bafômetro?

Ninguém se pronuncia. Para o psiquiatra, a Lei Seca ainda engatinha.

– Para que uma lei com estas características “pegue”, toda uma cultura relacionada às questões regulatórias, trânsito, álcool, impunidade e cumprimento das leis precisa ser modificada. Como nosso país vive um regime de impunidade, a lei pode até ser perfeita no papel, mas não será executada de uma hora para outra sem mudanças culturais – analisa Pechansky, que defende punições swift and certain (certeiras e rápidas).

300 mil vítimas em uma década


Dizer que o morticínio no trânsito no Brasil equivale a uma guerra não é apenas força de expressão. Basta cotejar números. Em uma década, tombaram nas rodovias, ruas e avenidas pelo menos 300 mil pessoas, mais que os soldados americanos vitimados na II Guerra Mundial (291 mil).

Um dos autores do estudo, Sabino Porto Junior, professor da Faculdade de Economia da UFRGS, sustenta: – Se você pune as pessoas, você reduz acidentes de trânsito. Mas não é isso que acontece. Como resultado, temos uma perda de renda, uma perda produtiva. Toda sociedade perde.

As palavras de Porto são ratificadas pelas pesquisas contidas na publicação Uso de Bebidas Alcoólicas e Outras Drogas nas Rodovias Brasileiras e Outros Estudos – um amplo compêndio de investigações, que teve o psiquiatra Pechansky entre os organizadores.

Para o responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, o próprio nome conspira contra a medida: – Não deveria se chamar Lei Seca porque não existe proibição ao consumo de álcool. As pessoas podem beber. Só não podem beber e dirigir.

Doutor em Medicina pela UFRGS, Goldim alerta para um detalhe que poucos levam em consideração sobre a possibilidade de conduzir veículos.

– Dirigir não é um direito. É uma concessão do Estado, que dá a permissão para a pessoa dirigir – afirma

Professora afiliada da Universidade Federal de São Paulo, Ilana Pinsky crê que a sociedade ainda escolhe as leis que devem ser cumpridas – e, até agora, decidiu desrespeitar a Lei Seca.

– Não caiu totalmente a ficha de que dirigir alcoolizado causa um prejuízo para todos. Em alguns países, as pessoas compreendem que os benefícios serão para todos – diz Ilana.

Mortes se concentram em locais próximos a bares

Na contramão de outras capitais, Porto Alegre registrou aumento de 16% no número de mortes em ruas e avenidas. Até metrópoles conhecidas por seu trânsito caótico, como São Paulo e Rio, acumulam vitórias na luta contra a carnificina de trânsito (ver quadro à direita).

– Os dados sugerem que Rio de Janeiro e São Paulo aparelharam bem suas polícias, providenciaram treinamento forte, e mantém regimes intensos de fiscalização. Desta forma, o motorista percebe que há policiais e fiscais nas ruas com o objetivo constante de fiscalizar a relação beber e dirigir – opina o psiquiatra Flavio Pechansky, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trânsito e Álcool (NEPTA).

Uma pesquisa realizada em São Paulo e Belo Horizonte, antes e depois da implantação da Lei Seca, reforça a percepção do especialista. Ao ouvirem 2,5 mil motoristas paulistas e 2 mil mineiros, sempre nos finais de semana, pesquisadores constaram uma redução em 30% de pessoas dirigindo alcoolizadas.

– Não precisamos de penas severas, mas as pessoas precisam ter a sensação de que podem ter uma punição rápida – diz a professora da Universidade Federal de São Paulo, Ilana Pinsky, uma das responsáveis pela pesquisa.

A ação das autoridades, na Capital, pode ser facilitada por um estudo coordenado pela psiquiatra Raquel Brandini de Boni, integrante do NEPTA. De acordo com Raquel, o geoprocessamento dos acidentes noturnos indica que eles ocorrem nas regiões da cidade que concentram o maior volume de bares e boates.

– É fácil de verificar que as áreas de maior concentração de bares são também as áreas que mais concentram acidentes durante a madrugada – pondera Raquel.

Responsável pelo comando de Policiamento da Capital, coronel Antero Batista de Campos Homem, reconhece que o arrefecimento na fiscalização da Lei Seca, mas assegura que barreiras continuam sendo realizadas.

– Cada tempo ao seu tempo. Naquela ocasião (quando a Lei Seca foi implantada), era oportuno que se fizessem mais barreiras. Mas agora passamos a atuar em locais mapeados, com ações pontuais – assegura o oficial.

ONDE FALHOU:


Comportamento
- Existe a ideia de que a sociedade pode escolher as leis que vai cumprir e as que não vai cumprir. Os brasileiros ainda não compreendem que os benefícios serão para todos.

Fiscalização
- Polícias reduziram as blitze para fiscalizar bêbados ao volante. Carentes de pessoas e equipamentos, elas ainda não têm a cultura de submeter motoristas a bafômetro.

Punição
- Mesmo quando agentes flagram condutores bêbados, há uma sensação de demora em punições como a cassação da carteira.

Campanha
- As ações educativas atuais não convencem os motoristas do risco do álcool.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A maior falha está nas benevolências, na burocracia e no centralismo impostos pela constituição federal. O autor de crime não pode fazer provas contra sí mesmo e tudo o que é direito cai no imensurável e anacrônico triângulo das bermudas das cortes supremas do Poder Judiciário Brasileiro. Sem a aplicação coativa da lei, todos os esforços da sociedade e das polícias para fazer cumprir a lei seca e mudar comportamentos foram inutilizados.



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